sábado, 30 de novembro de 2013

Admirável Mundo Novo - Aldous Huxley



“– (...) Tratam de Deus tal qual era há centenas de anos, não de Deus como é agora.
– Mas Deus não muda.
– Acontece que os homens mudam."

“Dizem que é o medo da morte, e do que vem depois da morte, que leva os homens a voltar-se para a religião à medida que os anos se acumulam. (...) Sim, voltamo-nos inevitavelmente para Deus, pois esse sentimento religioso é por natureza tão puro, tão delicado para a alma que o experimenta, que compensa todas as nossas outras perdas.”

“– E então o senhor acha que não existe Deus?
– Ao contrário, penso que muito provavelmente ele existe.
– Então por que...?
Mustapha Mond atalhou-o.
– Mas ele se manifesta de modo diferente a homens diferentes. Nos tempos pré-modernos, manifestava-se como o ser descrito nesses livros. Agora...
– Como se manifesta ele agora? – perguntou o Selvagem.
– Bem, ele se manifesta como uma ausência; como se absolutamente não existisse.”

“Como se nós acreditássemos em alguma coisa, seja o que for, por instinto! Cremos nas coisas porque somos condicionados a crer nelas. (...) As pessoas crêem em Deus porque foram condicionadas para crer em Deus.”

“– Mas eu não quero conforto. Quero Deus, quero a poesia, quero o perigo autêntico, quero a liberdade, quero a bondade, quero o pecado.”




Poesia Completa de Alberto Caeiro - Fernando Pessoa



“Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho.”

“A recordação é uma traição à Natureza
Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar não é ver.”

“Não desejei senão estar ao sol ou à chuva –
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra coisa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe

Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão –
Porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que não são
Sentir é estar distraído.”

“Pouco me importa.
Pouco me importa o quê? Não sei: pouco me importa.”

Cartas Perto do Coração - Clarice Lispector, Fernando Sabino



“Passo os dias procurando enganar minha angústia e procurando não fazer horror a mim mesma.”

“Mas não sei aprender ainda a desistir e tenho mesmo medo de desistir e me entregar porque não sei o que virá daí. Até agora eu mesma me ergui sempre mas é um esforço muito grande e naturalmente estou bem cansada. Esta vida íntima que chega a um ponto de não ter nenhum sinal exterior, termina por me tirar a direção e o sentido das coisas. Mas parece que cheguei a um ponto de onde não posso mais sair.”
“A solidão de que sempre precisei é ao mesmo tempo inteiramente insuportável.”

“A verdade é que estamos sozinhos, cada um consigo mesmo.”

“Talvez porque agora você já não esteja sofrendo muito, mas sofrendo bem: é uma diferença bem importante. (...) A gente sofre muito: o que é preciso é sofrer bem, com discernimento, com classe, com serenidade de quem já é iniciado no sofrimento. Não para tirar dele uma compensação, mas um reflexo.”

“– Tive um verdadeiro cansaço em Paris de gente inteligente. Não se pode ir a um teatro sem precisar dizer se gostou ou não, e porque sim e porque não. Aprendi a dizer ‘não sei’, que é um orgulho, uma defesa e um mau hábito porque termina-se mesmo não querendo pensar, além de não querendo dizer.”

“...sempre penso, com muita estranheza aliás, que talvez a vida seja a morte e quando a gente morre, acorda e vive, com medo de morrer, quer dizer, de tornar a viver.”

“Há um edifício aqui que, anunciam, vai cair, e o mundo, embora ninguém anuncie, também vai cair.”

“...chove muito, chove inesperadamente e, melhor, muitas vezes começa a chover no meio da noite. É do que vou sentir saudades daqui.”

“E o tempo se conta mesmo em anos. Deus me livre se fosse em dias. É como crescer ou envelhecer que só se vê em anos. Como é que se pode ver a curva tão larga das coisas se se está tão próximo como é próximo o dia? Pois se às vezes a palavra que falta para completar um pensamento pode levar meia vida para aparecer.”
“O sentimento de grandeza que você acha que está perdendo talvez agora é que você o esteja adquirindo: sua predisposição para ficar calada não é propriamente uma novidade: a novidade é estar aceitando, inclusive o silêncio. É bom isso, dá mais paciência, dá compreensão, dá mais sentido às coisas – e dá grandeza.”

“Está me acontecendo uma coisa tão esquisita: com o tempo passando, me parece que não moro em lugar nenhum, e que nenhum lugar ‘me quer’...”


“Depois te escrevo mais, uma carta realmente, contando coisas, ou não dizendo nada, pelo simples consolo, ainda que à distância, de te saber existente e convivermos.”

O Pequeno Príncipe - Antoine de Saint Exupéry



“Quando o mistério é impressionante demais, a gente não ousa desobedecer.”

“É tão misterioso o país das lágrimas.”

“– A gente se sente um pouco só no deserto.
– Entre os homens a gente também se sente só.”

“E eu não tenho necessidade de ti, e tu também não tens necessidade de mim. Não passo aos teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo.”

“Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz.”

“O essencial é invisível aos olhos.”

“Eu sempre amei o deserto. A gente se senta numa duna de areia, não vê nada, não escuta nada. De repente alguma coisa irradia no silêncio...”

“A gente corre o risco de chorar um pouco quando se deixou cativar.”

“Eu estava triste, mas lhes dizia: É o cansaço

A Insustentável Leveza do Ser - Milan Kundera



“Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está a nossa vida, e mais ela é real e verdadeira. Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes. Então, o que escolher? O peso ou a leveza?”

“Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que faz com que a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo ‘esboço’ não é a palavra certa porque um esboço é sempre um projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro.”

“Só é grave aquilo que é necessário, só tem valor aquilo que pesa.”

“’Tem de ser assim’, Tomas repetia para si mesmo, mas logo começou a ter dúvidas: teria mesmo de ser?”

“Mas o homem, porque não tem senão uma vida, não tem nenhuma possibilidade de verificar a hipótese através de experimentos, de maneira que não saberá nunca se errou ou acertou ao obedecer a um sentimento.”

“...será que um acontecimento não se torna mais importante e carregado de significados quando depende de um número maior de circunstâncias fortuitas?”

“Mas o amor nascente aguçou nela a percepção da beleza, e ela jamais esquecerá essa música. Toda vez que a ouvir, tudo o que acontecer em torno dela, nesse momento, ficará impregnado com seu brilho.”

“Aquele que deseja continuamente ‘elevar-se’ deve esperar um dia pela vertigem. O que é a vertigem? O medo de cair? Mas porque sentimos vertigem num mirante cercado por uma balaustrada? A vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. É a voz do vazio embaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda do qual logo nos defendemos aterrorizados.”

“Mas era justamente o fraco que deveria saber ser forte e partir...”

“Aquilo que não é consequência de uma escolha não pode ser considerado como mérito ou fracasso. Diante de uma condição que nos é imposta, é preciso, pensa Sabina, encontrar a atitude certa. Parecia-lhe tão absurdo insurgir-se contra o fato de ter nascido mulher quanto glorificar-se disso.”

“Por mais cruel que tenha sido a vida, no cemitério sempre existe a mesma serenidade.”

“São precisamente as perguntas para as quais não existem respostas que marcam os limites das possibilidades humanas e que traçam as fronteiras da nossa existência.”

“Os regimes criminosos não foram feitos por criminosos mas por entusiastas convencidos de terem descoberto o único caminho para o paraíso. Defendiam corajosamente esse caminho, executando, por isso, centenas de pessoas. Mais tarde ficou claro como o dia que o paraíso não existia e que, portanto, os entusiastas eram assassinos.”

“Quando nos defrontamos com alguém que é amável, atencioso e delicado, é muito difícil ficar convencido a cada instante de que nada do que é dito é verdadeiro, de que nada é sincero. Para duvidar (contínua e sistematicamente, sem um segundo de hesitação), é necessário um esforço gigantesco e muita prática.”

“Já havia compreendido que as pessoas se alegravam tanto com a humilhação moral do próximo, que jamais abriam mão desse prazer ouvindo explicações.”

“No começo do Gênese está escrito que Deus criou o homem para reinar sobre os pássaros, os peixes e os animais. É claro, o Gênese foi escrito por um homem e não por um cavalo.”

“Não estava certo de ter agido bem, mas estava certo de ter agido como queria.”


O Espírito do Zen - Alan Watts



"...um monge chega ao mestre Chao-chou e pergunta: 'Acabei de chegar a este mosteiro. O senhor poderia, por favor, me dar alguma instrução?' O mestre responde: 'Já comeste, ou não, a refeição matinal?', 'Sim, já o fiz, senhor', 'Então, lava as tuas tigelas'."

"Nada é mais fácil do que confundir a sabedoria de um sábio com a sua doutrina, pois, na ausência de qualquer compreensão da verdade, a descrição dessa compreensão feita por outrem é facilmente confundida com a própria verdade."

"O mundo é visto como separado porque a pessoa projeta nele o seu próprio estado de confusão e ignorância; assim, em cada um de nós há essa mente que observa as circunstâncias criadas por ela mesma e, de acordo com a natureza particular da expressão dessa mente nos indivíduos, são criados os ambientes que os envolvem."

"O homem olha para o mundo exterior para buscar sua salvação; imagina que poderá encontrar felicidade ao possuir algumas de suas formas. Mas não poderá encontrar felicidade nessas formas se não a puder encontrar em sua própria mente, pois é a sua mente que faz as formas..."

"O homem se apega às coisas na vã esperança de que elas possam permanecer imóveis e perfeitas; ele não se reconcilia com o fato da mudança (...) O homem notar e lamentar a mudança mostra que ele próprio não está se movendo com o ritmo da vida."

"Trata-se, portanto, do princípio de controlar as coisas entrando em harmonia com elas, do domínio através da adaptação."

"...com os olhos focalizados no horizonte, não vemos o que está aos nossos pés."

"Quanto mais firmemente tentamos captar o momento, para manter uma sensação agradável ou definir algo de uma maneira que possa ser satisfatória para sempre, mais ilusório ele se torna. Costuma-se dizer que definir é matar. Se o vento parasse por um segundo para que pudéssemos capturá-lo, ele deixaria de ser vento. O mesmo é verdade em relação à vida. As coisas e os fatos estão perpetuamente se mudando e se movendo; não podemos reter o momento presente e fazê-lo ficar conosco; não podemos chamar de volta o passado ou manter para sempre uma sensação passageira de si. Se tentarmos fazê-lo, tudo o que teremos será uma recordação; a realidade não está mais lá e nenhuma satisfação pode ser encontrada nisso."

"Há teólogos e filósofos que mostram grande preocupação se alguém questiona suas ideias acerca do universo, pois imaginam que dentro dessas ideias estão incrustadas as verdades definitivas. E pensam que, se perderem essas ideias, perderão a verdade."

"...a moralidade é valiosa quando for reconhecida como um meio para atingir um fim; é uma boa serva, mas um mestre terrível. Quando os homens a usam como serva, ela permite que se adaptem à sociedade, e que se misturem facilmente com seus companheiros e, mais especialmente, permite a liberdade para o desenvolvimento espiritual. Quando ela é o mestre, as pessoas tornam-se intolerantes e puras máquinas éticas convencionais."

"...no momento em que compreende, absoluta e finalmente, que a vida não pode ser captada, ele a solta, percebendo num átimo de segundo que tolo ele tem sido ao tentar retê-la como se fosse sua. Assim, nesse momento, ele alcança a liberdade do espírito, pois compreende o sofrimento inerente à tentativa humana de guardar o vento numa caixa, de manter viva a vida sem deixar que ela viva."
 

As Opiniões e as Crenças - Gustave Le Bon



"Os homens são quase sempre levados a crer, não pela prova, mas pelo agrado."

"...a necessidade de crer constitui um elemento psicológico tão irredutível quanto o prazer ou a dor. A alma humana tem aversão à duvida e à incerteza."

"Não é o pensamento, mas a sensibilidade, que nos revela nosso verdadeiro ‘eu’."

"Desde que os assuntos sobre os quais se quer raciocinar caem no campo da crença, a reflexão perde o seu poder crítico.”

"Para mover, cumpre comover."

"...nem sempre acreditamos na mentira alheia, mas facilmente damos crédito às nossas próprias."

"Uma lógica afetiva demasiada leva a ceder sem reflexão a impulsos frequentemente funestos. Uma lógica mística excessiva suscita as exigências religiosas, dominadas pela preocupação egoísta da sua salvação, e sem utilidade social. Uma lógica coletiva exagerada promove a predominância dos elementos inferiores de um povo e o conduz à barbárie. Uma lógica racional em demasia provoca a dúvida e a inação."

"A força dos fanáticos reside precisamente na rigorosa obediência ao seu ideal perigoso."

"O interesse possui, como a paixão, o poder de transformar em verdade aquilo em que lhe é útil acreditar."

"Sendo lenta e penosa a elaboração de um julgamento, o homem se contenta, em geral, com as primeiras impressões, isto é, com as sugestões da simples intuição. (...) Abandonar-se a elas sem exame, como muitas vezes se procede, é atravessar a vida na persuasão de um erro. Elas só têm, efetivamente, por sustentáculo simpatias e antipatias instintivas que nenhuma razão ilumina. É, entretanto, sobre bases tão frágeis que, às mais das vezes, se edificam as nossas concepções do justo e do injusto, do bem e do mal, da verdade e do erro."

"Tão irredutível quanto a necessidade de crer, a necessidade de explicações acompanha o homem desde o berço até ao túmulo. Ela contribuiu para criar os seus deuses e diariamente determina a gênese de numerosas opiniões. Essa necessidade intensa facilmente se satisfaz. As respostas mais rudimentares são suficientes. (...) Sempre ávido de certezas definitivas, o espírito humano guarda muito tempo as opiniões falsas fundadas na necessidade de explicações e considera como inimigos do seu repouso aqueles que as combatem. O principal inconveniente das opiniões baseadas em explicações errôneas é que, admitindo-as como definitivas, o homem não procura outras. Supor que se conhece a razão das coisas é um meio seguro de não a descobrir. A ignorância da nossa ignorância tem retardado de longos séculos os progressos das ciências e ainda, aliás, os restringe. A sede de explicações é tal que sempre foi achada alguma para os fenômenos menos compreensíveis. O espírito tem mais satisfação em admitir que Júpiter lança o raio do que em se confessar ignorante em relação às causas que o fazem rebentar."

"Suficientemente repetida, a afirmação acaba por criar, primeiramente, uma opinião e, mais tarde, uma crença. A repetição é o complemento necessário da afirmação."

"A moda não conhece revoltadas; só a extrema pobreza lhe recusa escravas. Nenhum dos deuses do passado foi mais respeitosamente obedecido."

"...uma opinião qualquer universalmente aceita constituirá sempre, para a multidão, uma verdade."

"Os elementos constitutivos da nossa existência pertencem, como sabemos, a três grupos: vida orgânica, vida afetiva, vida intelectual. A necessidade de crer alia-se à vida afetiva. Tão irredutível quanto a fome ou o amor ela é, freqüentemente, tão imperiosa. Constituindo uma invencível necessidade da nossa natureza afetiva, a crença não pode, e nisso é como um sentimento qualquer, ser voluntária e racional. A inteligência não a forma nem a governa.'

"Um dos mais constantes caracteres gerais das crenças é a sua intolerância. Ela é tanto mais intransigente quanto mais forte é a crença. Os homens dominados por uma certeza não podem tolerar aqueles que não a aceitam."

"O nosso máximo esforço de independência consiste em opor, por vezes, um pouco de resistência às sugestões ambientes. A grande massa nenhuma resistência opõe e segue as crenças, as opiniões e os preconceitos do seu grupo. Ela lhe obedece sem ter mais consciência do que a folha seca arrastada pelo vento."

"Uma crença é um ato de fé que não exige provas e, aliás, não é, as mais das vezes, verificável por nenhuma. Se a fé se impusesse somente por argumentos racionais, poucas crenças se teriam podido formar no decurso dos séculos. (...) A sugestão e o contágio mental pelos quais se propagam as crenças são independentes da razão."

"Se as crenças fossem acessíveis à influência da razão, teríamos visto desaparecer, há muito tempo, todas as que são absurdas."

"A razão pode provocar o desejo de crer, nunca terá, porém, a força de fazer crer."

"Confinado num deserto, privado de qualquer símbolo, o crente mais convicto veria rapidamente declinar a sua fé. Se, entretanto, anacoretas e missionários a conservam, é porque incessantemente relêem os seus livros religiosos e, sobretudo, se sujeitam a uma multidão de ritos e de preces. A obrigação para o padre de recitar diariamente o seu breviário foi imaginada pelos psicólogos que conheciam bem a virtude sugestiva da repetição. Nenhuma fé é durável se dela se eliminam os elementos fixos que lhe servem de apoio. Um Deus sem tempestades, sem imagens, sem estátuas, perderia logo os seus adoradores."

"...as religiões realmente monoteístas só existiram nos livros. O cristianismo, por exemplo, logo anexou legiões de anjos, santos e demônios, que correspondem exatamente às divindades secundárias do mundo antigo e são venerados ou temidos como aquelas. Essa multiplicidade de deuses secundários nas crenças monoteístas e a divisão rápida destas últimas em seitas mostram claramente que o monoteísmo é um conceito teórico, que não satisfaz às nossas necessidades afetivas e místicas."

"Os povos de todas as raças adoraram, sob nomes diversos, uma única divindade: a esperança."

"Enquanto a ciência não revela as imutáveis verdades, ocultas talvez sob as aparências das coisas, cumpre que nos contentemos com as certezas acessíveis ao nosso espírito.
 
Fernão capelo Gaivota - Richard Bach

“E, contudo, não sentia remorso por não cumprir as promessas que fizera a si próprio. ‘Essas promessas são só para as gaivotas que aceitam o vulgar. Quem conseguiu chegar à excelência da sua aprendizagem não tem necessidade desse tipo de promessa.’”

“Quase todos nós percorremos um longo caminho. Fomos de um mundo para o outro, que era praticamente igual ao primeiro, esquecendo logo de onde viéramos, não nos preocupando para onde íamos, vivendo o momento presente. Tem alguma ideia de por quantas vidas tivemos que passar até chegarmos a ter a primeira intuição de que há na vida algo mais do que comer, ou lutar, ou ter uma posição importante dentro do bando? Mil vidas, Fernão, dez mil! E depois mais cem vidas até começarmos a aprender que há uma coisa chamada perfeição, e ainda outras cem para nos convencermos de que o nosso objetivo na vida é encontrar essa perfeição e levá-la ao extremo.”

“Escolheremos o nosso próximo mundo através daquilo que aprendermos neste. Não aprender nada significa que o próximo mundo será igual a este, com as mesmas limitações e pesos de chumbo a vencer.”

“Você tem menos medo de aprender do que qualquer outra gaivota que conheci em dez mil anos.”

“Ao expulsarem-na, as outras gaivotas só fizeram mal a si próprias, e um dia vão sabê-lo, e um dia verão o que você vê.”

“Era-lhes mais fácil praticar altas execuções do que compreender a razão que estava por detrás delas.”

“Temos de pôr de parte tudo o que nos limita.”

“Quebrem as correntes dos seus pensamentos e quebrarão as correntes do corpo.”

“Falou de coisas muito simples – que as gaivotas têm o direito de voar, que a liberdade é própria de sua natureza, que todo aquele que se oponha a essa liberdade deve ser posto de parte, quer a oposição seja motivada por ritual, superstição ou limitação sob qualquer forma.”

“'O preço de ser incompreendido’, pensou. ‘Ser classificado de diabo ou de deus.’”

“– Por que será – interrogou-se Fernão – que a coisa mais difícil do mundo é convencer a um pássaro de que é livre e de que pode prová-lo a si mesmo se se dedicar a treinar um pouco?”

“Não creia no que os seus olhos lhe dizem. Tudo o que mostram é limitação. Olhe com o entendimento...”

O mundo assombrado pelos demônios

- Carl Sagan

“Ele tinha um apetite natural pelas maravilhas do universo. Queria conhecer a ciência. O problema é que toda a ciência se perdera pelos filtros antes de chegar até ele. Os nossos temas culturais, o nosso sistema educacional, os nossos meios de comunicação haviam traído esse homem. O que a sociedade permitia que escoasse pelos seus canais era principalmente simulacro e confusão. Nunca lhe ensinara como distinguir a ciência verdadeira da imitação barata.”

“Os relatos espúrios que enganam os ingênuos são acessíveis. As abordagens céticas são muito mais difíceis de encontrar. O ceticismo não vende bem.”

“Ele simplesmente aceitou o que as fontes de informação mais difundidas e acessíveis diziam ser verdade. Por ingenuidade, foi sistematicamente enganado e ludibriado.”

“O físico britânico Michael Faraday alertou contra a tentação poderosa de procurar as evidências e aparências que estão a favor de nossos desejos, e desconsiderar as que lhes fazem oposição [...]. Acolhemos com boa vontade o que concorda com nossas ideias, assim como resistimos com desgosto ao que se opõe a nós, enquanto todo preceito de bom senso exige exatamente o oposto.”

“Como um terremoto que confunde a nossa confiança no próprio solo que estamos pisando, pode ser profundamente perturbador desafiar as nossas crenças habituais, fazer estremecer as doutrinas em que aprendemos a confiar.”

“Essa é uma das razões pelas quais as religiões organizadas não me inspiram confiança. Que líderes dos principais credos reconhecem que suas crenças talvez sejam incompletas ou errôneas, e criam institutos para revelar possíveis deficiências doutrinárias?”

“Um extraterrestre, recém-chegado à Terra – examinando o que em geral apresentamos às nossas crianças na televisão, no rádio, no cinema, nos jornais, nas revistas, nas histórias em quadrinhos e em muitos livros –, poderia facilmente concluir que fazemos questão de lhes ensinar assassinatos, estupros, crueldades, superstições, credulidade e consumismo. Continuamos a seguir esse padrão e, pelas constantes repetições, muitas das crianças acabam aprendendo essas coisas. Que tipo de sociedade não poderíamos crias se, em vez disso, lhes incutíssemos a ciência e um sentimento de esperança?”

“A sedução do maravilhoso embota nossas faculdades críticas.”

“Quanto mais desejamos que seja verdade, mais cuidadosos temos que ser.”

“Aqueles que têm alguma coisa para vender, aqueles que desejam influencia a opinião pública, aqueles que estão no poder, diria um cético, têm um interesse pessoal em desencorajar o ceticismo.”

“Só confie numa testemunha quando ela fala de questões em que não se acham envolvidos nem o seu interesse próprio, nem as suas paixões, nem os seus preconceitos, nem o amor pelo maravilhoso.”

“É impressionante como as emoções podem se acirrar sobre uma questão a respeito da qual conhecemos de fato muito pouco.”

“O medo de coisas invisíveis é a semente natural daquilo que todo mundo, em seu íntimo, chama de religião. Thomas Hobbes, Leviatã.”

“Em nossa vida diária, incorporamos sem esforço e inconscientemente normas culturais que transformamos em coisas nossas.”

“Um homem acredita mais facilmente no que gostaria que fosse verdade. Assim, ele rejeita coisas difíceis pela impaciência de pesquisar; coisas sensatas, porque diminuem a esperança; as coisas mais profundas da natureza, por superstição; a luz da experiência, por arrogância e orgulho; coisas que não são comumente aceitas, por deferência à opinião do vulgo. Em suma, inúmeras são as maneiras, e às vezes imperceptíveis, pelas quais os afetos colorem e contaminam o entendimento. – Francis Bacon, Novum Organon (1620)”

“Uma das lições mais tristes da história é a seguinte: se formos enganados por muito tempo, a nossa tendência é evitar qualquer evidência do logro. Já não nos interessamos em descobrir a verdade. O engano nos aprisionou. É simplesmente doloroso demais admitir, mesmo para nós mesmos, que fomos enganados.”

“Quando aparece alguém que desafia o nosso sistema de crenças, declarando que sua base não é suficientemente boa – (...) – tal fato se torna muito mais do que uma busca pelo conhecimento. Nós o sentimos como um ataque pessoal.”

“Ninguém pode ser inteiramente aberto a novas idéias ou completamente cético. Todos temos que traçar o limite em algum lugar.”

“Conheço muitos adultos que ficam desconcertados quando as crianças pequenas fazem perguntas científicas. Por que a Lua é redonda? (...) ‘Como é que você queria que a Lua fosse, quadrada?’ As crianças logo reconhecem que esse tipo de pergunta incomoda os adultos. Novas experiências semelhantes, e mais uma criança perde o interesse pela ciência. Porque os adultos têm de fingir onisciência diante de crianças de seis anos é algo que nunca vou compreender. O que há de errado em admitir que não sabemos alguma coisa? A nossa auto-estima é assim tão frágil?”

“O que elas querem que seja verdade, elas acreditam que é verdade.”

“Somos viciados em significados.”

“Os estereótipos são numerosos. (...) A interpretação mais generosa atribui esse modo de pensar a uma espécie de preguiça intelectual: em vez de julgar as pessoas pelos seus méritos e deficiências individuais, nós nos concentramos em uma ou duas informações a seu respeito, que depois inserimos num pequeno número de escaninhos previamente construídos. Isso poupa o trabalho de pensar, embora em muitos casos custe o preço de cometer uma profunda injustiça. Com isso, aquele que pensa por estereótipos também fica protegido do contato com a enorme variedade de pessoas, a multiplicidade de maneiras do ser humano.”
 
 
 
 
 

Demian - Hermann Hesse

“Não creio ser um homem que saiba. Tenho sido sempre um homem que busca.”

“A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo, a tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro.”

“Desses acontecimentos, que ninguém percebe, é que se nutre a linha axial interna de nosso destino. A falha, a rachadura se fecham mais tarde; podem cicatrizar e cair no esquecimento; mas em nossa câmara secreta mais recôndita nunca cessam de sangrar.”

“...podemos entender-nos uns aos outros, mas somente a si mesmo pode cada um interpretar-se.”

“Sempre é bom termos consciência de que dentro de nós há alguém que tudo sabe...”

“Queria apenas tentar viver aquilo que brotava espontaneamente em mim. Por que isso me era tão difícil?”

“Quando alguém encontra algo de que verdadeiramente necessita, não é o acaso que tal proporciona, mas a própria pessoa; seu próprio desejo e sua própria necessidade o conduzem a isso.”

"Há, por exemplo, entre as mariposas, certa espécie noturna da qual as fêmeas são em número muito mais reduzido do que os machos. As mariposas se reproduzem da mesma maneira que todos os outros insetos: o macho fecunda a fêmea, e esta põe ovos. Quando se captura uma dessas fêmeas (e numerosos naturalistas já comprovaram o fato), os machos vão dar ao lugar onde ela se encontra prisioneira, depois de voarem vários quilômetros de distância, viajando horas e horas através da noite. Presta atenção! A vários quilômetros de distância os machos sentem a presença da única fêmea existente nas imediações. Tentou-se buscar uma explicação para o fato, mas é muito difícil de explicar. Talvez os machos tenham o sentido do olfato extraordinariamente desenvolvido, como os bons cães de caça, que conseguem achar e seguir um rastro imperceptível. Compreendes? A Natureza está cheia de fatos como este, que ninguém consegue explicar. Mas imagino que se, entre essas mariposas, as fêmeas fossem tão freqüentes quanto os machos, estes talvez não tivessem um olfato tão fino. Se o têm é porque se viram na necessidade de exercitá-lo a tal ponto e a intensificar sua sensibilidade. Quando um animal ou um homem orienta toda a sua atenção e toda a sua força de vontade para determinado fim, acaba por consegui-lo. O mesmo acontece com o que antes dizíamos. Se observarmos uma pessoa com suficiente atenção, acabaremos por saber mais a seu respeito do que a própria pessoa.
(...) É necessário perguntar-se sempre, duvidar sempre. Mas a coisa é muito simples. Se uma dessas mariposas noturnas de que falamos pretendesse orientar toda a sua vontade em direção a uma estrela ou a outro fim semelhante, é claro que nada conseguiria. Mas nem sequer pretende isso. Busca apenas o que tem para ela um sentido e um valor, algo que lhe é necessário e de que não pode prescindir. E é então precisamente quando consegue também o inacreditável: desenvolver um sexto sentido, que só ela possui entre todos os animais. Nós, os homens, temos um campo de ação muito mais vasto e interesses mais amplos do que os animais. Mas também nós nos achamos inscritos num círculo relativamente pequeno e não conseguimos ultrapassá-lo. Posso imaginar muitas coisas, imaginar, por exemplo, que meu maior desejo seria chegar ao Pólo Norte ou algo semelhante; mas só poderei querer isso com suficiente intensidade e realizar esse desejo quando ele realmente existir em mim e todo o meu ser se achar penetrado por ele. Quando isso acontece, quando intentas algo que te é ordenado de dentro do teu próprio ser, acabas por consegui-lo e podes atrelar tua vontade como se fosse um animal de tiro. Se eu me esforçasse agora no sentido de que, por exemplo, o nosso pároco não usasse óculos, não haveria de conseguir nada. Seria apenas um jogo. Mas, quando no outono passado, surgiu em mim o firme propósito de mudar de lugar na classe, tudo aconteceu maravilhosamente. Logo apareceu um aluno, que até então estivera doente e cujo nome começava por uma letra anterior à inicial do meu, e como alguém devesse dar-lhe o lugar nos primeiros bancos, fui eu, desde logo, quem lhe cedeu o lugar, precisamente porque minha vontade já se encontrava preparada para aproveitar a primeira ocasião."

“A maioria das pessoas vive também em sonhos, mas não nos próprios, e aí é que está a diferença.”

“Não creio que se possam considerar homens todos esses bípedes que caminham pelas ruas, simplesmente porque andam eretos ou levem nove meses para vir à luz. Sabes muito bem que muitos deles não passam de peixes ou de ovelhas, vermes ou sanguessugas, formigas ou vespas.”

“Quando me comparava com os demais, sentia-me muitas vezes orgulhoso e satisfeito comigo mesmo, e em outras tantas deprimido e humilhado. Ora me acreditava um verdadeiro gênio, ora fraco do juízo. Não me era possível compartilhar a vida e as alegrias dos outros rapazes de minha idade, e às vezes reprovava asperamente o meu isolamento e sentia profunda tristeza, crendo-me definitivamente afastado de todos os meus semelhantes, com todas as portas da vida fechadas irrevogavelmente para mim.”

“Não há porque te comparares com os demais, e se a natureza te criou para morcego, não deves aspirar a ser avestruz. Às vezes te consideras por demais esquisito e te reprovas por seguires caminhos diversos dos da maioria. Deixa-te disso. Contempla o fogo, as nuvens, e quando surgirem presságios e as vozes soarem em tua alma, abandona-te a elas sem perguntares se isso convém ou é do gosto do senhor teu pai ou do professor ou de algum bom deus qualquer. Com isso só conseguimos perder-nos, entrar na escala burguesa e fossilizar-nos.”

“Não devemos temer nem julgar ilícito nada do que nossa alma deseja em nós mesmos.”

“A ave saiu do ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem que destruir um mundo.”

“A única realidade é aquela que se contém dentro de nós, e se os homens vivem tão irrealmente é porque aceitam como realidade as imagens exteriores e sufocam em si a voz do mundo inteiro. Também se pode ser feliz assim; mas quando se chega a conhecer o outro, torna-se impossível seguir o caminho da maioria. O caminho da maioria é fácil, o nosso é penoso. Caminhemos.”

“Esta é minha fraqueza, meu caro Sinclair, pois às vezes percebo que não deveria sentir tais desejos, que são um luxo e uma fraqueza. Seria mais digno e mais acertado estar simplesmente à disposição do destino, sem aspirações de qualquer ordem. Mas não posso, é a única coisa que não posso fazer. Talvez tu o consigas um dia. É muito difícil, é o único verdadeiramente difícil. Já sonhei em consegui-lo, mas não o consigo realizar, me dá medo. Não posso decidir-me a ficar tão desnudo e tão só em meio da vida; também eu sou um pobre cão fraco, que necessita de um pouco de calor e de alimento e gosta de sentir-se de vez em quando entre seus semelhantes. Aquele que verdadeiramente só quer seu destino já não tem semelhantes e se ergue solitário sobre a terra, tendo ao seu lado somente os gélidos espaços infinitos.”

“Eu só esperava que meu destino se me apresentasse com uma nova imagem.”

"Todos os homens buscavam a 'liberdade' e a 'felicidade' num ponto qualquer do passado, só de medo de ver erguer-se diante deles a visão da responsabilidade própria e da própria trajetória."

"Nunca se chega ao porto. Mas quando duas rotas amigas coincidem, o mundo inteiro então nos parece o anelado porto."

“O que hoje existe não é comunidade, é simplesmente rebanho. Os homens se unem porque têm medo uns dos outros e cada um se refugia entre seus iguais: rebanho de patrões, rebanho de operários, rebanho de intelectuais...E por que têm medo? Só se tem medo quando não se está de acordo consigo mesmo.”
Este Blog
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Demian - Hermann Hesse

“Não creio ser um homem que saiba. Tenho sido sempre um homem que busca.”

“A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo, a tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro.”

“Desses acontecimentos, que ninguém percebe, é que se nutre a linha axial interna de nosso destino. A falha, a rachadura se fecham mais tarde; podem cicatrizar e cair no esquecimento; mas em nossa câmara secreta mais recôndita nunca cessam de sangrar.”

“...podemos entender-nos uns aos outros, mas somente a si mesmo pode cada um interpretar-se.”

“Sempre é bom termos consciência de que dentro de nós há alguém que tudo sabe...”

“Queria apenas tentar viver aquilo que brotava espontaneamente em mim. Por que isso me era tão difícil?”

“Quando alguém encontra algo de que verdadeiramente necessita, não é o acaso que tal proporciona, mas a própria pessoa; seu próprio desejo e sua própria necessidade o conduzem a isso.”

"Há, por exemplo, entre as mariposas, certa espécie noturna da qual as fêmeas são em número muito mais reduzido do que os machos. As mariposas se reproduzem da mesma maneira que todos os outros insetos: o macho fecunda a fêmea, e esta põe ovos. Quando se captura uma dessas fêmeas (e numerosos naturalistas já comprovaram o fato), os machos vão dar ao lugar onde ela se encontra prisioneira, depois de voarem vários quilômetros de distância, viajando horas e horas através da noite. Presta atenção! A vários quilômetros de distância os machos sentem a presença da única fêmea existente nas imediações. Tentou-se buscar uma explicação para o fato, mas é muito difícil de explicar. Talvez os machos tenham o sentido do olfato extraordinariamente desenvolvido, como os bons cães de caça, que conseguem achar e seguir um rastro imperceptível. Compreendes? A Natureza está cheia de fatos como este, que ninguém consegue explicar. Mas imagino que se, entre essas mariposas, as fêmeas fossem tão freqüentes quanto os machos, estes talvez não tivessem um olfato tão fino. Se o têm é porque se viram na necessidade de exercitá-lo a tal ponto e a intensificar sua sensibilidade. Quando um animal ou um homem orienta toda a sua atenção e toda a sua força de vontade para determinado fim, acaba por consegui-lo. O mesmo acontece com o que antes dizíamos. Se observarmos uma pessoa com suficiente atenção, acabaremos por saber mais a seu respeito do que a própria pessoa.
(...) É necessário perguntar-se sempre, duvidar sempre. Mas a coisa é muito simples. Se uma dessas mariposas noturnas de que falamos pretendesse orientar toda a sua vontade em direção a uma estrela ou a outro fim semelhante, é claro que nada conseguiria. Mas nem sequer pretende isso. Busca apenas o que tem para ela um sentido e um valor, algo que lhe é necessário e de que não pode prescindir. E é então precisamente quando consegue também o inacreditável: desenvolver um sexto sentido, que só ela possui entre todos os animais. Nós, os homens, temos um campo de ação muito mais vasto e interesses mais amplos do que os animais. Mas também nós nos achamos inscritos num círculo relativamente pequeno e não conseguimos ultrapassá-lo. Posso imaginar muitas coisas, imaginar, por exemplo, que meu maior desejo seria chegar ao Pólo Norte ou algo semelhante; mas só poderei querer isso com suficiente intensidade e realizar esse desejo quando ele realmente existir em mim e todo o meu ser se achar penetrado por ele. Quando isso acontece, quando intentas algo que te é ordenado de dentro do teu próprio ser, acabas por consegui-lo e podes atrelar tua vontade como se fosse um animal de tiro. Se eu me esforçasse agora no sentido de que, por exemplo, o nosso pároco não usasse óculos, não haveria de conseguir nada. Seria apenas um jogo. Mas, quando no outono passado, surgiu em mim o firme propósito de mudar de lugar na classe, tudo aconteceu maravilhosamente. Logo apareceu um aluno, que até então estivera doente e cujo nome começava por uma letra anterior à inicial do meu, e como alguém devesse dar-lhe o lugar nos primeiros bancos, fui eu, desde logo, quem lhe cedeu o lugar, precisamente porque minha vontade já se encontrava preparada para aproveitar a primeira ocasião."

“A maioria das pessoas vive também em sonhos, mas não nos próprios, e aí é que está a diferença.”

“Não creio que se possam considerar homens todos esses bípedes que caminham pelas ruas, simplesmente porque andam eretos ou levem nove meses para vir à luz. Sabes muito bem que muitos deles não passam de peixes ou de ovelhas, vermes ou sanguessugas, formigas ou vespas.”

“Quando me comparava com os demais, sentia-me muitas vezes orgulhoso e satisfeito comigo mesmo, e em outras tantas deprimido e humilhado. Ora me acreditava um verdadeiro gênio, ora fraco do juízo. Não me era possível compartilhar a vida e as alegrias dos outros rapazes de minha idade, e às vezes reprovava asperamente o meu isolamento e sentia profunda tristeza, crendo-me definitivamente afastado de todos os meus semelhantes, com todas as portas da vida fechadas irrevogavelmente para mim.”

“Não há porque te comparares com os demais, e se a natureza te criou para morcego, não deves aspirar a ser avestruz. Às vezes te consideras por demais esquisito e te reprovas por seguires caminhos diversos dos da maioria. Deixa-te disso. Contempla o fogo, as nuvens, e quando surgirem presságios e as vozes soarem em tua alma, abandona-te a elas sem perguntares se isso convém ou é do gosto do senhor teu pai ou do professor ou de algum bom deus qualquer. Com isso só conseguimos perder-nos, entrar na escala burguesa e fossilizar-nos.”

“Não devemos temer nem julgar ilícito nada do que nossa alma deseja em nós mesmos.”

“A ave saiu do ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem que destruir um mundo.”

“A única realidade é aquela que se contém dentro de nós, e se os homens vivem tão irrealmente é porque aceitam como realidade as imagens exteriores e sufocam em si a voz do mundo inteiro. Também se pode ser feliz assim; mas quando se chega a conhecer o outro, torna-se impossível seguir o caminho da maioria. O caminho da maioria é fácil, o nosso é penoso. Caminhemos.”

“Esta é minha fraqueza, meu caro Sinclair, pois às vezes percebo que não deveria sentir tais desejos, que são um luxo e uma fraqueza. Seria mais digno e mais acertado estar simplesmente à disposição do destino, sem aspirações de qualquer ordem. Mas não posso, é a única coisa que não posso fazer. Talvez tu o consigas um dia. É muito difícil, é o único verdadeiramente difícil. Já sonhei em consegui-lo, mas não o consigo realizar, me dá medo. Não posso decidir-me a ficar tão desnudo e tão só em meio da vida; também eu sou um pobre cão fraco, que necessita de um pouco de calor e de alimento e gosta de sentir-se de vez em quando entre seus semelhantes. Aquele que verdadeiramente só quer seu destino já não tem semelhantes e se ergue solitário sobre a terra, tendo ao seu lado somente os gélidos espaços infinitos.”

“Eu só esperava que meu destino se me apresentasse com uma nova imagem.”

"Todos os homens buscavam a 'liberdade' e a 'felicidade' num ponto qualquer do passado, só de medo de ver erguer-se diante deles a visão da responsabilidade própria e da própria trajetória."

"Nunca se chega ao porto. Mas quando duas rotas amigas coincidem, o mundo inteiro então nos parece o anelado porto."

“O que hoje existe não é comunidade, é simplesmente rebanho. Os homens se unem porque têm medo uns dos outros e cada um se refugia entre seus iguais: rebanho de patrões, rebanho de operários, rebanho de intelectuais...E por que têm medo? Só se tem medo quando não se está de acordo consigo mesmo.”


 
 
 
 
 
 


Demian - Hermann Hesse

“Não creio ser um homem que saiba. Tenho sido sempre um homem que busca.”

“A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo, a tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro.”

“Desses acontecimentos, que ninguém percebe, é que se nutre a linha axial interna de nosso destino. A falha, a rachadura se fecham mais tarde; podem cicatrizar e cair no esquecimento; mas em nossa câmara secreta mais recôndita nunca cessam de sangrar.”

“...podemos entender-nos uns aos outros, mas somente a si mesmo pode cada um interpretar-se.”

“Sempre é bom termos consciência de que dentro de nós há alguém que tudo sabe...”

“Queria apenas tentar viver aquilo que brotava espontaneamente em mim. Por que isso me era tão difícil?”

“Quando alguém encontra algo de que verdadeiramente necessita, não é o acaso que tal proporciona, mas a própria pessoa; seu próprio desejo e sua própria necessidade o conduzem a isso.”

"Há, por exemplo, entre as mariposas, certa espécie noturna da qual as fêmeas são em número muito mais reduzido do que os machos. As mariposas se reproduzem da mesma maneira que todos os outros insetos: o macho fecunda a fêmea, e esta põe ovos. Quando se captura uma dessas fêmeas (e numerosos naturalistas já comprovaram o fato), os machos vão dar ao lugar onde ela se encontra prisioneira, depois de voarem vários quilômetros de distância, viajando horas e horas através da noite. Presta atenção! A vários quilômetros de distância os machos sentem a presença da única fêmea existente nas imediações. Tentou-se buscar uma explicação para o fato, mas é muito difícil de explicar. Talvez os machos tenham o sentido do olfato extraordinariamente desenvolvido, como os bons cães de caça, que conseguem achar e seguir um rastro imperceptível. Compreendes? A Natureza está cheia de fatos como este, que ninguém consegue explicar. Mas imagino que se, entre essas mariposas, as fêmeas fossem tão freqüentes quanto os machos, estes talvez não tivessem um olfato tão fino. Se o têm é porque se viram na necessidade de exercitá-lo a tal ponto e a intensificar sua sensibilidade. Quando um animal ou um homem orienta toda a sua atenção e toda a sua força de vontade para determinado fim, acaba por consegui-lo. O mesmo acontece com o que antes dizíamos. Se observarmos uma pessoa com suficiente atenção, acabaremos por saber mais a seu respeito do que a própria pessoa.
(...) É necessário perguntar-se sempre, duvidar sempre. Mas a coisa é muito simples. Se uma dessas mariposas noturnas de que falamos pretendesse orientar toda a sua vontade em direção a uma estrela ou a outro fim semelhante, é claro que nada conseguiria. Mas nem sequer pretende isso. Busca apenas o que tem para ela um sentido e um valor, algo que lhe é necessário e de que não pode prescindir. E é então precisamente quando consegue também o inacreditável: desenvolver um sexto sentido, que só ela possui entre todos os animais. Nós, os homens, temos um campo de ação muito mais vasto e interesses mais amplos do que os animais. Mas também nós nos achamos inscritos num círculo relativamente pequeno e não conseguimos ultrapassá-lo. Posso imaginar muitas coisas, imaginar, por exemplo, que meu maior desejo seria chegar ao Pólo Norte ou algo semelhante; mas só poderei querer isso com suficiente intensidade e realizar esse desejo quando ele realmente existir em mim e todo o meu ser se achar penetrado por ele. Quando isso acontece, quando intentas algo que te é ordenado de dentro do teu próprio ser, acabas por consegui-lo e podes atrelar tua vontade como se fosse um animal de tiro. Se eu me esforçasse agora no sentido de que, por exemplo, o nosso pároco não usasse óculos, não haveria de conseguir nada. Seria apenas um jogo. Mas, quando no outono passado, surgiu em mim o firme propósito de mudar de lugar na classe, tudo aconteceu maravilhosamente. Logo apareceu um aluno, que até então estivera doente e cujo nome começava por uma letra anterior à inicial do meu, e como alguém devesse dar-lhe o lugar nos primeiros bancos, fui eu, desde logo, quem lhe cedeu o lugar, precisamente porque minha vontade já se encontrava preparada para aproveitar a primeira ocasião."

“A maioria das pessoas vive também em sonhos, mas não nos próprios, e aí é que está a diferença.”

“Não creio que se possam considerar homens todos esses bípedes que caminham pelas ruas, simplesmente porque andam eretos ou levem nove meses para vir à luz. Sabes muito bem que muitos deles não passam de peixes ou de ovelhas, vermes ou sanguessugas, formigas ou vespas.”

“Quando me comparava com os demais, sentia-me muitas vezes orgulhoso e satisfeito comigo mesmo, e em outras tantas deprimido e humilhado. Ora me acreditava um verdadeiro gênio, ora fraco do juízo. Não me era possível compartilhar a vida e as alegrias dos outros rapazes de minha idade, e às vezes reprovava asperamente o meu isolamento e sentia profunda tristeza, crendo-me definitivamente afastado de todos os meus semelhantes, com todas as portas da vida fechadas irrevogavelmente para mim.”

“Não há porque te comparares com os demais, e se a natureza te criou para morcego, não deves aspirar a ser avestruz. Às vezes te consideras por demais esquisito e te reprovas por seguires caminhos diversos dos da maioria. Deixa-te disso. Contempla o fogo, as nuvens, e quando surgirem presságios e as vozes soarem em tua alma, abandona-te a elas sem perguntares se isso convém ou é do gosto do senhor teu pai ou do professor ou de algum bom deus qualquer. Com isso só conseguimos perder-nos, entrar na escala burguesa e fossilizar-nos.”

“Não devemos temer nem julgar ilícito nada do que nossa alma deseja em nós mesmos.”

“A ave saiu do ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem que destruir um mundo.”

“A única realidade é aquela que se contém dentro de nós, e se os homens vivem tão irrealmente é porque aceitam como realidade as imagens exteriores e sufocam em si a voz do mundo inteiro. Também se pode ser feliz assim; mas quando se chega a conhecer o outro, torna-se impossível seguir o caminho da maioria. O caminho da maioria é fácil, o nosso é penoso. Caminhemos.”

“Esta é minha fraqueza, meu caro Sinclair, pois às vezes percebo que não deveria sentir tais desejos, que são um luxo e uma fraqueza. Seria mais digno e mais acertado estar simplesmente à disposição do destino, sem aspirações de qualquer ordem. Mas não posso, é a única coisa que não posso fazer. Talvez tu o consigas um dia. É muito difícil, é o único verdadeiramente difícil. Já sonhei em consegui-lo, mas não o consigo realizar, me dá medo. Não posso decidir-me a ficar tão desnudo e tão só em meio da vida; também eu sou um pobre cão fraco, que necessita de um pouco de calor e de alimento e gosta de sentir-se de vez em quando entre seus semelhantes. Aquele que verdadeiramente só quer seu destino já não tem semelhantes e se ergue solitário sobre a terra, tendo ao seu lado somente os gélidos espaços infinitos.”

“Eu só esperava que meu destino se me apresentasse com uma nova imagem.”

"Todos os homens buscavam a 'liberdade' e a 'felicidade' num ponto qualquer do passado, só de medo de ver erguer-se diante deles a visão da responsabilidade própria e da própria trajetória."

"Nunca se chega ao porto. Mas quando duas rotas amigas coincidem, o mundo inteiro então nos parece o anelado porto."

“O que hoje existe não é comunidade, é simplesmente rebanho. Os homens se unem porque têm medo uns dos outros e cada um se refugia entre seus iguais: rebanho de patrões, rebanho de operários, rebanho de intelectuais...E por que têm medo? Só se tem medo quando não se está de acordo consigo mesmo.”

O homem duplicado

 - José Saramago

“Tanto é o que precisamos de lançar culpas a algo distante quando o que nos faltou foi a coragem de encarar o que estava na nossa frente.”

“...o que sucede é que tudo me cansa e aborrece, esta maldita rotina, esta repetição, este marcar passo, Distraia-se, homem, distrair-se sempre foi o melhor remédio, Dê-me licença que lhe diga que distrair-se é o remédio de quem não precisa dele...”

“Não se pode exigir a toda a gente que seja sensata, Por isso o mundo está como está.”

“...estar de acordo nem sempre significa compartilhar uma razão.”

“Há coisas que nunca se poderão explicar por palavras.”

“Talvez rejeição não seja a palavra mais apropriada, o caracol não rejeita o dedo que lhe toca, encolhe-se, Será a maneira que ele tem de rejeitar, Será, No entanto, você, à vista desarmada, não tem nada de caracol, Às vezes penso que nos parecemos muito, Quem, você e eu, Não, eu e o caracol...”

“...o senso comum é demasiado comum para ser senso.”

“De fato, nunca se sabe muito bem para que servem as vitórias, suspirou o professor de matemática, Mas as derrotas sabe-se muito bem para que servem.”

“É de todos conhecidos, porém, que a enorme carga de tradição, hábitos e costumes que ocupa a maior parte do nosso cérebro lastram sem piedade as idéias mais brilhantes e inovadoras de que a parte restante ainda é capaz...”

“...pensa nas contradições da vida, no fato de que para ganhar uma batalha às vezes possa ser necessário perdê-la...”

“A vida tem me ensinado que nenhuma coisa é simples, que só às vezes o parece, e que é justamente quando mais o parecer que mais nos convirá duvidar.”

“...é tanto o que temos para dizer quando nos calamos...”

“...pensava que o pior de todos os muros é uma porta de que nunca se tem a chave, e ele não sabia onde a encontrar, nem sabia sequer se tal chave existia.”

Impostos invisíveis - CRISTOVAM BUARQUE

O GLOBO - 30/11

A elite compra o direito de não misturar os serviços privados que usa com os serviços públicos



No Brasil, os contribuintes só começam a trabalhar para si a partir do dia 30 de maio de cada ano. Do 1º de janeiro até esse dia, trabalham para pagar impostos. Isso seria menos grave se, em troca desse trabalho para o Fisco, o contribuinte recebesse de volta os serviços públicos de que carece, na quantidade e qualidade devidas.

Não é isso que ocorre. Além dos 150 dias de impostos visíveis, o contribuinte passa cerca de 26 dias adicionais por ano para pagar, sob a forma de “impostos invisíveis”, a escola dos filhos, a saúde da família e a segurança de seu dia a dia. São os “impostos invisíveis” relacionados com os gastos em que a classe média incorre todo ano: cerca de R$ 60 bilhões (1,3% do PIB) com educação privada, R$ 40 bilhões (0,87% do PIB) com segurança privada e pelo menos R$ 180 bilhões (4% do PIB) com planos privados de saúde.

Este gasto é maior se considerarmos os custos causados pela ineficiência social e econômica que recai sobre o cidadão brasileiro. O sistema deficiente da educação provoca elevados gastos sobre o funcionamento da sociedade, prejudicando a vida dos contribuintes. A falta de segurança depreda patrimônio, prejudica a saúde e mata pessoas.

Mas os contribuintes preferem pedir redução dos tributos visíveis pagos explicitamente aos governos (federal, estadual e municipal) do que eliminar os “impostos invisíveis”, com os quais compram no mercado os serviços que deveriam ser providos pelo setor público. Um sistema educacional e um de saúde de qualidade para todos aliviariam os contribuintes de classes média e alta; uma sociedade pacífica, graças a um sistema social mais equilibrado e eficiente representaria uma elevação na qualidade de vida.

A vocação pelo privado, o gosto pelo imediato e a preferência pelo distanciamento em relação ao povo fazem o contribuinte brasileiro aceitar os “impostos invisíveis”. Com isso, a elite compra o direito de não misturar os serviços privados que usa com os serviços públicos do povo.

A tolerância e a condescendência em pagar “impostos privados invisíveis”, em vez de pagar “impostos sociais eficientes”, decorrem de características que dominam o inconsciente coletivo da elite nacional. A vigência de uma ética pela qual se valoriza o privado mais do que o público; a segregação social que leva a parcela rica e de classe média a não querer se misturar em escolas iguais, hospitais iguais nem fazer a distribuição de renda que tornaria o Brasil um país pacífico fazem parte da mente do Brasil e de sua preferência pelo imediatismo. O contribuinte prefere pagar o “imposto invisível” para ter o retorno imediato, para si e sua família, do que pagar hoje e esperar um retorno posterior para toda a população.

Até porque, além de imediatista, o contribuinte tem razão de ser desconfiado com o uso de seu dinheiro por parte dos governos. Prefere pagar privadamente altos “impostos invisíveis” do que exigir os resultados públicos dos impostos visíveis.

Nós vamos transformar a educação pública do País - JAIR RIBEIRO

O ESTADO DE S. PAULO - 30/11
Pode até ter virado um repisado cli­chê, mas não custa repetir: o nosso maior desafio co­mo nação é melhorar a qualidade da educação bá­sica. Apesar dos avanços das últimas décadas, ainda estamos longe de vencer essa guerra.
Mais de 25% das crianças cursando o 4.0 ano não sabem ler e escrever de forma adequa­da à sua série. Ainda temos Esta­dos com cerca de 80% de alunos que não conseguem sequer pro­duzir um pequeno parágrafo! (Prova ABC - 2013)
Mais de 50% dos jovens de 14 a 18 anos estão fora do ensino médio. A evasão está aumentan­do e apenas 10% dos que se for­mam no ensino médio domi­nam o conteúdo esperado para as suas séries
E a estatística recente que mais me chocou: cerca de 25% dos jovens brasileiros de 18 a 24 anos não completaram o ensino médio, não estudam e não traba­lham (estudo da Fundação Seade, agosto 2013). Ou seja, esta­mos jogando pelo ralo o tal bô­nus demográfico brasileiro, um verdadeiro absurdo!
Com uma realidade dessas, como estranhar os fracos índi­ces de produtividade do traba­lhador brasileiro? Como recla­mar e olhar com ares de surpre­sa para a existência do chamado apagão de mão de obra? Como não perceber aí a causa funda­mental dos altíssimos índices de criminalidade (mais de 5 mil homicídios por ano, seis a cada hora!) e da enorme e devastado­ra desigualdade de renda pre­sente em nosso país?
Particularmente, entendo que o desafio da melhoria da nossa educação pública não de­ve ser apenas delegado aos go­vernos. Por sua relevância, é al­go que requer o envolvimento de toda a sociedade civil.
Talvez o leitor que me acom­panha até aqui pergunte: o que eu, empresário, executivo ou profissional liberal e leitor des­se jornal, posso fazer? Arrisco a sugerir um caminho.
Primeiro, passe a acompa­nhar mais de perto e a se familia­rizar com o assunto por meio de sites como o do Movimento To­dos pela Educação e outras fon­tes sérias. Na sequência, profis­sionais como você, com voca­ção, preparo e experiência em execução e gestão de projetos e empresas, podem se envolver diretamente. De preferência procurando apoiar programas já existentes e testados.
Há cerca de dez anos cofundei a Parceiros da Educação, uma organização que promove parcerias entre empresas, em­presários ou executivos e as es­colas públicas do Estado de São Paulo (hoje também estamos no Rio de Janeiro). Já são mais de 60 escolas no programa, impactando a vida de dezenas de milhares de crianças. Nosso ob­jetivo se subdivide em dois. O primeiro é elevar o aproveita­mento dos alunos das nossas es­colas. O segundo, em função da nossa experiência de uma déca­da, impactar e influenciar positi­vamente as políticas públicas dos Estados e municípios em que atuamos.
Como resultado dessa inser­ção na política pública, apoia­mos, com outras 15 das mais re­presentativas organizações ligadas à educação, um programa bastante ambicioso da Secreta­ria da Educação do Estado de São Paulo que tem um objetivo tão claro quanto inspirador: transformar significativamen­te o nosso sistema de ensino es­tadual, colocando-o entre os 25 melhores do mundo em 20 anos, além de transformar a car­reira do professor numa das dez mais desejadas e respeitadas do Estado (Educação - Compro­misso de São Paulo, http://www. educacao.sp.gov.br/portal/projetos/compromisso-sp).
Um dos pilares transformacionais desse programa consis­te na ampla difusão das escolas de período integral. Nesse mo­delo os alunos entram às 7 ho­ras da manhã e saem às 4 da tar­de. Os professores, seleciona­dos na rede pública, têm dedica­ção exclusiva a apenas uma es­cola e para tanto recebem um aumento salarial de 75%. No ensino médio há disciplinas eleti­vas propostas por professores e alunos, clubes juvenis, e cada aluno desenvolve o seu Projeto de Vida, em que o jovem escre­ve seu sonho e traça um plano de como concretizá-lo. Todas
as escolas contam com estrutu­ras bem mais completas e ade­quadas, com laboratórios de ciências e salas de informática.
Hoje são 70 unidades nesse modelo. Em 2014 teremos 182 escolas em regime integral em todo o Estado. O plano é que até 2018 tenhamos mil - 25% da re­de - dentro do novo padrão. Tra­ta-se de uma iniciativa revolu­cionária, que efetivamente nos pode levar a alcançar a ambicio­sa meta que o Estado se propôs a perseguir.
Iniciei uma parceria com uma escola em tempo integral da zona oeste de São Paulo, a Alexandre Von Humboldt, em janeiro de 2012. Já no primeiro ano de parceria conseguimos aumentar o índice de aproveita­mento da escola (Idesp) em 76% - ante 7% da média da rede e 34% das demais escolas do pro­grama de ensino integral. Um salto fantástico em apenas um ano, resultado de uma articula­ção entre o Estado, a escola e a parceria com a sociedade civil!
Vale ressaltar que a base era baixa. Não obstante, este ano es­peramos um novo salto, ainda que não tão grande como o do primeiro ano, mas ainda bastante expressivo.
Por fim, e talvez mais impor­tante do que todas essas estatís­ticas, compartilho com os leito­res o fato de que a sensação de satisfação ao ver o desenvolvi­mento da escola e o impacto nos alunos e nos professores é algo maior e muito especial, que proporciona um sentimen­to de realização indescritivel­mente gratificante.
Pois bem, queremos expan­dir a Parceiros da Educação pa­ra apoiar o projeto de cresci­mento das novas escolas de pe­ríodo integral, participando ati­vamente da construção de algo verdadeiramente transforma­dor. Temos mais de 170 unida­des à procura de parceiros em dezenas de municípios do nos­so Estado. Junte-se ao nosso grupo! Garanto que será das coi­sas mais gratificantes que você fará na sua vida. Um processo tão incrível que começa por ree­ducar a nós mesmos

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O rio do Èdem

Luiz Fernando Veríssimo -

O meu relógio biológico é um Rolex. Não, brincadeira. Nós todos temos um relógio dentro de nós que sempre "sabe" exatamente que horas são, embora nem todo mundo saiba que ele sabe, ou confie nele. O relógio biológico funciona mais ou menos como uma portaria de hotel, à qual você pede para ser acordado a certa hora. Ou como um despertador, que você marca para acordá-lo. O relógio interior pode falhar - as portarias de hotel e os despertadores também falham -, mas sempre que não acreditei no meu me arrependi. O que aconteceu mais de uma vez foi que o relógio biológico me acordou e fiquei na cama, aflito para saber se a portaria iria se lembrar ou o despertador funcionar, e acabei me atrasando. E minha tese é que quando o relógio biológico não nos acorda é porque, no fundo, não queremos acordar. Algum outro instrumento instintivo que carregamos sem saber prevaleceu e neutralizou o relógio.

É fascinante essa ideia de que trazemos nos genes recursos, impulsos, fobias e encargos dos quais não nos damos conta, como relógios embutidos ligados a alguma fonte inimaginavelmente precisa de tempo certo. Somos portadores de mensagens cifradas que não conhecemos, e não entenderíamos se conhecêssemos. Há uma teoria segundo a qual o pavor universal de cobras vem de um resquício do passado reptiliano que ficou num dos cantos primitivos do nosso cérebro. E a mais nobre e misteriosa missão que nossos genes realizam à nossa revelia é a de trazer nosso DNA desde as origens da espécie humana até agora. Ninguém nos contratou, mas nossa função no mundo é transportar DNA.
O famoso biólogo darwinista Richard Dawkins deu um título poético a um dos seus livros: River Out of Eden. Tirado de Gênese 2:10 "E saía um rio do Éden para regar o jardim, e dali se dividia". O rio do Éden de Dawkins e de DNA, e passa por todos nós

Medo de ser feliz


Vou me dedicar a mais um, talvez mais importante que os outros. É o medo da felicidade. Nada faz uma pessoa tão feliz quanto a realização amorosa. Quando estamos ao lado do amado, a sensação é de plenitude, de paz. O tempo poderia parar naquele ponto, pois todos os nossos desejos teriam sido satisfeitos…
Deixando de lado as importantes questões teóricas relacionadas à existência desse temor, podemos dizer que o medo da felicidade tem como base o receio de suafutura perda. Quanto mais contentes e realizados nos sentimos, tanto mais provável nos parece o fim desse “estado de graça”. Segundo um estranho raciocínio, as chances de ocorrerem coisas dolorosas e frustrantes aumentam muito quando estamos felizes. O perigo cresce proporcionalmente à alegria. Dessa form, à sensação de plenitude vai se acoplando o pânico.
Então o que fazemos? Afastamo-nos deliberadamente da felicidade. Cometemos bobagens de todo tipo: arrumamos um modo de magoar a pessoa amada, de inventar problemas que não existem ou exageramos a importância dos pequenos obstáculos. Escolhemos parceiros inadequados, prejudicando às vezes outras áreas importantes da vida: saúde, trabalho, finanças. Para reduzir os riscos de uma hipotética tragédia, procuramos um jeito de apagar nossa alegria. Enfim, criamos uma dor menor com o objetivo de nos proteger de uma suposta dor maior.
O medo de perder o que se alcançou existe em todos nós. Porém, gostaria de registrar com ênfase que a felicidade não aumenta nem diminui a chance de fatos negativos acontecerem. Trata-se apenas de um processo emocional muito forte, mas que não corresponde à verdade. Felicidade não atrai tragédias! É só uma impressão psíquica.
O que fazer para nos livrarmos dessa vertigem simbólica que torna a queda inevitável? Como sair do impasse e ter forças para enfrentar o amor? Só há umasaída, já que não se conhece a “cura” do medo da felicidade. É preciso diminuir o medo da dor. Assim, ganharemos coragem para lidar com situações que geram alegria e prazer. Perder o receio de sofrer é necessário até porque a felicidade poderá de fato acabar. Não tem cabimento, porém, deixar de experimentá-la, pensando apenas nessa eventualidade.
Todo indivíduo que andar a cavalo estará sujeito a cair. Só terá certeza de evitar acidentes quem nunca montou. Isso, repito, é covardia e não esperteza. Reconhecer em si forças suficientes para suportar a queda e ter energias para se reerguer mostra coragem e serenidade. Uma pessoa é forte quando sabe vencer a dor. Trata-se de um requisito básico para o sucesso em todas as áreas da vida, inclusive no amor. Ninguém gosta de sofrer, mas não é moralismo religioso dizer que superar as frustrações é a conquista mais importante para quem quer ser feliz. Você deseja a realização de seus sonhos? Então, tem de correr o risco de cair e se sentir capaz de sobreviver à dor de amor!
Flávio Gikovate

As raizes do romantismo

 

O mundo, às vezes, pode parecer um lugar assustador. Um lugar onde não conseguimos ver espaço para nossa vida. A alma, então, fica ofegante, sem ar, buscando um lugar onde o horror não seja a regra.

Esse lugar pode ser um mundo invisível, o passado, um paraíso, a pessoa desejada, ou, o que às vezes é a mesma coisa, um outro inferno, como o mundo, ainda que feito da substância dos pesadelos. Quando esse terreno encontra gênios literários, o horror pode virar beleza.

A descrição acima está muito próxima do que o filósofo judeu britânico Isaiah Berlin (século 20) pensava da Alemanha (ainda que neste momento a Alemanha não existisse como unidade política) dos séculos 17 e 18, devido as terríveis guerras religiosas entre católicos e protestantes, "a Guerra dos 30 Anos".

O resultado foi uma Alemanha devastada e reduzida à "Idade Média". Enquanto França e Inglaterra nadavam de braçada em direção à modernização burguesa industrial, os alemães se afogavam no ressentimento e na melancolia. Nascia o romantismo. Essa Alemanha foi seu o berço.

A historiografia marxista costuma dizer (com razão) que o romantismo é a primeira grande ressaca da Europa com a modernização burguesa. A tese de Berlin não nega este fato, mas ilumina elementos sutis com relação aos afetos românticos.

A modernidade é bipolar. Quando acorda bem, é iluminista, científica e progressista, assim como nós quando acordamos acreditando em nossa capacidade de produzir o sucesso material em nossas vidas.

Mas quando ela acorda mal, é romântica, ciente da hostilidade do mundo e em dúvida com relação à capacidade de sua grande criação, o iluminismo racionalista e técnico-científico. Assim como nós quando acordamos em meio a madrugada sentindo a solidão de quem investiu a vida em dinheiro, profissão e sucesso material às custas dos vínculos afetivos pouco eficazes.

Mas, se o romantismo é mal-estar com o mundo burguês, ele é também fruto do mesmo mundo burguês e sua esperança na capacidade do indivíduo criar sua própria vida e sonhar com um futuro que seja autêntico e livre de convenções limitantes. O romantismo é antes de tudo uma afetividade angustiada com um mundo que nega aos homens e mulheres sua espontaneidade. Uma espontaneidade recém-adquirida graças à liberdade moderna.

Em março e abril de 1965, Berlin deu um série de conferências na National Gallery of Art em Washington, EUA, como parte do programa conhecido como The A. W. Mellon Lectures in the Fine Arts. Estas conferências foram publicadas em 2001 com o título "The Roots of Romanticism", Princeton University Press, organizadas pelo editor da obra de Berlin, Henry Hardy. São quatro conferências imperdíveis tanto para os interessados no romantismo quanto para os interessados no pensamento do próprio Berlin.

O romantismo é um grande ataque ao iluminismo e sua fé na eficácia e na ciência da razão. Por isso, na segunda das conferências, Berlin identifica no pietismo alemão do século 17 a grande matriz romântica e não nos delírios das caminhadas do solitário Rousseau. Os pietistas eram de classe média baixa, homens de letras, que liam a mística alemã medieval, principalmente autores como o místico do século 14 Meister Eckhart.

Os petistas viam o mundo como um lugar tomado pelos horrores do mal e por isso fugiam para o campo, viviam em silêncio, estudavam, e por isso mesmo tinham uma vida interior de enorme força e violência. A vida como drama, e não como "uma agenda" (como viam os iluministas).

Em especial, o teólogo e poeta piestista J.G. Hamann (1730-1788), amigo pessoal de Immanuel Kant, lerá o conceito de "Abgrund" ekhartiano, entendido pelo medieval como "abismo sem fundo" de uma alma que se descobre feita da matéria de Deus, como sendo a realidade de uma alma obscura e misteriosa que não cabe na razão, mas que é presa num mundo que não é sua casa. O exílio no mundo é a marca deste "mago do Norte", como ficou conhecido.

O romantismo nos legou esse sentimento sem cura de que criamos um mundo no qual não nos reconhecemos
Felipe Pondé
V

Enem mostra necessidade de mudança - CORREIO BRAZILIENSE



CORREIO BRAZILIENSE - 28/11
O resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano manteve o essencial - a disparidade entre o ensino privado e o público. Escolas pagas sobressaem. Brigam entre si pelas primeiras colocações no ranking das melhores. As mantidas pelo governo ficam atrás, bem atrás. As mais bem classificadas fogem à regra geral porque estão vinculadas a instituições como universidades.
Questionado, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, lembrou o óbvio: a disparidade das condições sociais dos estudantes. Ninguém duvida de que pais aptos a arcar com altas mensalidades contam com bibliotecas em casa, assinam jornais, têm acesso a viagens, navegam nas ondas da internet. Não só. São capazes de acompanhar o aproveitamento dos filhos e oferecer-lhes reforço sempre que necessário.

Não é o caso dos frequentadores de escolas públicas. As famílias, sem lastro cultural e sem folga financeira, dependem quase exclusivamente das instituições de ensino. É aí que o Estado falha. Quando o país abriu para todos as portas da educação na década de 70 do século passado, ignorou a diferença apontada por Mercadante. Sem levar em consideração o tamanho do abismo que separava (e separa) uns e outros, atendeu os novos clientes com os recursos que atendia os antigos - membros da elite nacional.

O resultado se repete até hoje. Democratizou-se o acesso à escola sem se democratizar o saber. Rouba-se dos pobres a oportunidade mais certa de ascensão social. Em bom português: perpetua-se a disparidade que se observa desde as Capitanias Hereditárias. Na sociedade globalizada, os excluídos do conhecimento são os excluídos das boas universidades e dos bons empregos.

A avaliação constitui passo importante no processo da aprendizagem. De um lado, permite considerar acertos e erros na caminhada de crianças e jovens em direção à liberdade. De outro, oferece base para a correção de rumos. O Brasil descobriu tardiamente as vantagens do julgamento objetivo de resultados. Só na década de 90 o MEC tomou medidas concretas aptas a orientar políticas na área da educação.

É o caso do Enem. Criado em 1998, visava radiografar a qualidade da educação nacional. Hoje, além de avaliar a excelência do ensino médio, serve para dar acesso às universidades públicas. Pouco a pouco, substitui o vestibular, que se revela inadequado para selecionar os futuros estudantes do nível superior. A pergunta que se impõe é esta: com o diagnóstico repetido ano após ano, que medidas concretas o governo tomará para melhorar o desempenho das escolas públicas? A resposta passa, necessariamente, pela qualidade do professor e do material didático. Nos dois itens, o país marca passo. Até quando?