quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Flávio Gikovate


  • Encerrando Ciclos

    Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final. Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver. Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos - não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram.

    Foi despedido do trabalho? Terminou uma relação?
    Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em outro país?
    A amizade tão longamente cultivada desapareceu sem explicações?

    Você pode passar muito tempo se perguntando por que isso aconteceu. Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desgaste imenso para todos: seus pais, seu marido ou sua esposa, seus amigos, seus filhos, sua irmã, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao ver que você está parado.

    Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem conosco. O que passou não voltará: não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar.

    As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora. Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem. Tudo neste mundo visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso coração - e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir espaço para que outras tomem o seu lugar.

    Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se.
    Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos. Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando, e nada mais.

    Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do “momento ideal”. Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará.

    Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa - nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade. Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante. Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida. Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é

    Comportamento criminoso Milton Corrêa


    O Black Bloc é uma organização criminosa, com todas as suas características, pois tem sua atuação de caráter permanente, com base em estrutura definida, horizontalizada na distribuição de missões. Possuindo ideologia própria, os black blocs contestam a estrutura do poder capitalista no mundo, praticando constantemente atos agressivos, de anarquia, afronta à ordem pública, desordem generalizada e ameaça à incolumidade de cidadãos pacíficos.

    Há o sentido de organização estruturada para a prática de crimes de danos ao patrimônio publico e privado. Eles têm ideia-força e símbolos (do anarquismo, sobretudo), vestem-se de negro, cobrem o rosto com máscaras e panos para proteção do anonimato e possuem características próprias de enfrentamento às forças de repressão. Fazem uso de perigoso arsenal para resistência agressiva e guerrilha urbana - há instrução específica -, inclusive coquetéis molotov, estilingues e objetos perfurocortantes. Trata-se de uma organização estruturada para finalidade anárquica e de contestação a qualquer organização social dominante sob o conceito do autonomismo.

    Vale ressaltar que o autonomismo se desenvolveu como um conjunto de experimentos sociais organizados - surge no início dos anos 80 na Alemanha Ocidental - por setores que optaram por se manter à margem do modo de vida dominante imposto pelo capitalismo e criar focos de sociabilidade alternativos dentro das sociedades capitalistas, mas pautados por valores e práticas opostos aos dominantes.

    O Black Bloc utiliza-se também, em sua estrutura de organização criminosa, do anonimato de redes sociais na divulgação para convocação dos atos de desordem. A organização difunde táticas de guerrilha urbana e arregimentação para a sua causa, através de sites, e ainda dispõe de uma mídia privada - eles se opõem aos demais órgãos de imprensa -, com a finalidade precípua de registrar e divulgar os excessos policiais durante as manifestações, procurando mostrar episódios de violência de integrantes das forças legais, para desacreditá-las perante a opinião pública. Regozijam-se, no entanto, ao mostrarem, por exemplo, uma viatura policial ou de imprensa incendiada.

    Este é o comportamento dos criminosos dos black blocs. Alguns cidadãos - até celebridades - lhes prestam apoio incondicional. Absurdo e insensatez. Quem é da área de educação, por exemplo, não pode apoiar a má educação e a falta de civilidade de vândalos, sem falar no péssimo exemplo dado aos alunos, jovens e crianças em período de formação social.

    Quanto à recente decisão da Justiça que soltou a maioria dos acusados de atos de vandalismo ocorridos no Centro do Rio, em 15/10, não se discute, cumpre-se. Foi tomada com base na lei em vigor.

    A polícia precisa, portanto, juntar provas concretas que enquadrem tais ativistas radicais na organização criminosa (Lei Federal 12.850/13), já que o flagrante individual de atos de vandalismo nem sempre é fácil de obter. É hora e vez de começarmos a pensar na edição da Lei Antiterrorismo, com penas mais pesadas, que desencoraje e puna os terroristas urbanos. Aos inimigos da democracia, o rigor da lei

    Comportamento criminoso Milton Corrêa


    O Black Bloc é uma organização criminosa, com todas as suas características, pois tem sua atuação de caráter permanente, com base em estrutura definida, horizontalizada na distribuição de missões. Possuindo ideologia própria, os black blocs contestam a estrutura do poder capitalista no mundo, praticando constantemente atos agressivos, de anarquia, afronta à ordem pública, desordem generalizada e ameaça à incolumidade de cidadãos pacíficos.

    Há o sentido de organização estruturada para a prática de crimes de danos ao patrimônio publico e privado. Eles têm ideia-força e símbolos (do anarquismo, sobretudo), vestem-se de negro, cobrem o rosto com máscaras e panos para proteção do anonimato e possuem características próprias de enfrentamento às forças de repressão. Fazem uso de perigoso arsenal para resistência agressiva e guerrilha urbana - há instrução específica -, inclusive coquetéis molotov, estilingues e objetos perfurocortantes. Trata-se de uma organização estruturada para finalidade anárquica e de contestação a qualquer organização social dominante sob o conceito do autonomismo.

    Vale ressaltar que o autonomismo se desenvolveu como um conjunto de experimentos sociais organizados - surge no início dos anos 80 na Alemanha Ocidental - por setores que optaram por se manter à margem do modo de vida dominante imposto pelo capitalismo e criar focos de sociabilidade alternativos dentro das sociedades capitalistas, mas pautados por valores e práticas opostos aos dominantes.

    O Black Bloc utiliza-se também, em sua estrutura de organização criminosa, do anonimato de redes sociais na divulgação para convocação dos atos de desordem. A organização difunde táticas de guerrilha urbana e arregimentação para a sua causa, através de sites, e ainda dispõe de uma mídia privada - eles se opõem aos demais órgãos de imprensa -, com a finalidade precípua de registrar e divulgar os excessos policiais durante as manifestações, procurando mostrar episódios de violência de integrantes das forças legais, para desacreditá-las perante a opinião pública. Regozijam-se, no entanto, ao mostrarem, por exemplo, uma viatura policial ou de imprensa incendiada.

    Este é o comportamento dos criminosos dos black blocs. Alguns cidadãos - até celebridades - lhes prestam apoio incondicional. Absurdo e insensatez. Quem é da área de educação, por exemplo, não pode apoiar a má educação e a falta de civilidade de vândalos, sem falar no péssimo exemplo dado aos alunos, jovens e crianças em período de formação social.

    Quanto à recente decisão da Justiça que soltou a maioria dos acusados de atos de vandalismo ocorridos no Centro do Rio, em 15/10, não se discute, cumpre-se. Foi tomada com base na lei em vigor.

    A polícia precisa, portanto, juntar provas concretas que enquadrem tais ativistas radicais na organização criminosa (Lei Federal 12.850/13), já que o flagrante individual de atos de vandalismo nem sempre é fácil de obter. É hora e vez de começarmos a pensar na edição da Lei Antiterrorismo, com penas mais pesadas, que desencoraje e puna os terroristas urbanos. Aos inimigos da democracia, o rigor da lei

    Comportamento criminoso Milton Corrêa


    O Black Bloc é uma organização criminosa, com todas as suas características, pois tem sua atuação de caráter permanente, com base em estrutura definida, horizontalizada na distribuição de missões. Possuindo ideologia própria, os black blocs contestam a estrutura do poder capitalista no mundo, praticando constantemente atos agressivos, de anarquia, afronta à ordem pública, desordem generalizada e ameaça à incolumidade de cidadãos pacíficos.

    Há o sentido de organização estruturada para a prática de crimes de danos ao patrimônio publico e privado. Eles têm ideia-força e símbolos (do anarquismo, sobretudo), vestem-se de negro, cobrem o rosto com máscaras e panos para proteção do anonimato e possuem características próprias de enfrentamento às forças de repressão. Fazem uso de perigoso arsenal para resistência agressiva e guerrilha urbana - há instrução específica -, inclusive coquetéis molotov, estilingues e objetos perfurocortantes. Trata-se de uma organização estruturada para finalidade anárquica e de contestação a qualquer organização social dominante sob o conceito do autonomismo.

    Vale ressaltar que o autonomismo se desenvolveu como um conjunto de experimentos sociais organizados - surge no início dos anos 80 na Alemanha Ocidental - por setores que optaram por se manter à margem do modo de vida dominante imposto pelo capitalismo e criar focos de sociabilidade alternativos dentro das sociedades capitalistas, mas pautados por valores e práticas opostos aos dominantes.

    O Black Bloc utiliza-se também, em sua estrutura de organização criminosa, do anonimato de redes sociais na divulgação para convocação dos atos de desordem. A organização difunde táticas de guerrilha urbana e arregimentação para a sua causa, através de sites, e ainda dispõe de uma mídia privada - eles se opõem aos demais órgãos de imprensa -, com a finalidade precípua de registrar e divulgar os excessos policiais durante as manifestações, procurando mostrar episódios de violência de integrantes das forças legais, para desacreditá-las perante a opinião pública. Regozijam-se, no entanto, ao mostrarem, por exemplo, uma viatura policial ou de imprensa incendiada.

    Este é o comportamento dos criminosos dos black blocs. Alguns cidadãos - até celebridades - lhes prestam apoio incondicional. Absurdo e insensatez. Quem é da área de educação, por exemplo, não pode apoiar a má educação e a falta de civilidade de vândalos, sem falar no péssimo exemplo dado aos alunos, jovens e crianças em período de formação social.

    Quanto à recente decisão da Justiça que soltou a maioria dos acusados de atos de vandalismo ocorridos no Centro do Rio, em 15/10, não se discute, cumpre-se. Foi tomada com base na lei em vigor.

    A polícia precisa, portanto, juntar provas concretas que enquadrem tais ativistas radicais na organização criminosa (Lei Federal 12.850/13), já que o flagrante individual de atos de vandalismo nem sempre é fácil de obter. É hora e vez de começarmos a pensar na edição da Lei Antiterrorismo, com penas mais pesadas, que desencoraje e puna os terroristas urbanos. Aos inimigos da democracia, o rigor da lei

    Comportamento criminoso Milton Corrêa


    O Black Bloc é uma organização criminosa, com todas as suas características, pois tem sua atuação de caráter permanente, com base em estrutura definida, horizontalizada na distribuição de missões. Possuindo ideologia própria, os black blocs contestam a estrutura do poder capitalista no mundo, praticando constantemente atos agressivos, de anarquia, afronta à ordem pública, desordem generalizada e ameaça à incolumidade de cidadãos pacíficos.

    Há o sentido de organização estruturada para a prática de crimes de danos ao patrimônio publico e privado. Eles têm ideia-força e símbolos (do anarquismo, sobretudo), vestem-se de negro, cobrem o rosto com máscaras e panos para proteção do anonimato e possuem características próprias de enfrentamento às forças de repressão. Fazem uso de perigoso arsenal para resistência agressiva e guerrilha urbana - há instrução específica -, inclusive coquetéis molotov, estilingues e objetos perfurocortantes. Trata-se de uma organização estruturada para finalidade anárquica e de contestação a qualquer organização social dominante sob o conceito do autonomismo.

    Vale ressaltar que o autonomismo se desenvolveu como um conjunto de experimentos sociais organizados - surge no início dos anos 80 na Alemanha Ocidental - por setores que optaram por se manter à margem do modo de vida dominante imposto pelo capitalismo e criar focos de sociabilidade alternativos dentro das sociedades capitalistas, mas pautados por valores e práticas opostos aos dominantes.

    O Black Bloc utiliza-se também, em sua estrutura de organização criminosa, do anonimato de redes sociais na divulgação para convocação dos atos de desordem. A organização difunde táticas de guerrilha urbana e arregimentação para a sua causa, através de sites, e ainda dispõe de uma mídia privada - eles se opõem aos demais órgãos de imprensa -, com a finalidade precípua de registrar e divulgar os excessos policiais durante as manifestações, procurando mostrar episódios de violência de integrantes das forças legais, para desacreditá-las perante a opinião pública. Regozijam-se, no entanto, ao mostrarem, por exemplo, uma viatura policial ou de imprensa incendiada.

    Este é o comportamento dos criminosos dos black blocs. Alguns cidadãos - até celebridades - lhes prestam apoio incondicional. Absurdo e insensatez. Quem é da área de educação, por exemplo, não pode apoiar a má educação e a falta de civilidade de vândalos, sem falar no péssimo exemplo dado aos alunos, jovens e crianças em período de formação social.

    Quanto à recente decisão da Justiça que soltou a maioria dos acusados de atos de vandalismo ocorridos no Centro do Rio, em 15/10, não se discute, cumpre-se. Foi tomada com base na lei em vigor.

    A polícia precisa, portanto, juntar provas concretas que enquadrem tais ativistas radicais na organização criminosa (Lei Federal 12.850/13), já que o flagrante individual de atos de vandalismo nem sempre é fácil de obter. É hora e vez de começarmos a pensar na edição da Lei Antiterrorismo, com penas mais pesadas, que desencoraje e puna os terroristas urbanos. Aos inimigos da democracia, o rigor da lei

    Bolsa família sem pai e sem mãe

     - VINICIUS TORRES FREIRE



    Programa federal surgiu numa rixa 'conservadora' e foi adotado com desconfiança pelo PT


    NUMA VIDA PASSADA, o Bolsa Família foi um filhote da ira de Antônio Carlos Magalhães (ACM) contra o governo de FHC, na lonjura de 1999.

    No presente não menos avacalhado do Brasil, a autonomia formal do Banco Central pode ser um rebento do desejo de Renan Calheiros de arrumar um ministério para um senador amigo.

    A primeira fonte de financiamento segura para programas de renda mínima em escala considerável surgiu de uma campanha de ACM. O dinheiro para o Bolsa-Escola veio daí --e não era pouco.

    Aliás, afora uns políticos petistas "moderados", pesquisadores universitários, economistas "neoliberais" e propagandistas do Banco Mundial, pouco se falava no assunto no país.

    Calheiros, uma espécie de candidato a ACM de Alagoas, até ontem ameaçava votar um projeto que torna o Banco Central independente de palpites e pressões do governo, dando mandato para sua direção, coisa que causa horror a Dilma Rousseff. Como a presidente prometeu doar a sesmaria ministerial para o PMDB, parece que a lei da autonomia do BC fica para o ano que vem.

    A gente se diverte: parte da nossa "modernidade" é filha da vingança do coronel. Por "modernidade" querem se dizer itens da já velhusca "primeira geração de reformas" liberais, coisa dos anos 1990 (independência do BC e programas "focados", limitados, de distribuição de renda).

    ACM (1927-2007) foi um dos coronéis mais longevos e espertos, esteio da ditadura militar, governador da Bahia, figura de proa da Arena, do PDS e do PFL, presidente do Senado, ministro de Sarney.

    Em 1999, começou a esculhambar o governo do aliado FHC, convertendo-se à causa dos pobres, por assim dizer. Lançou o projeto de um fundo de combate à pobreza, que financiaria alguma espécie de renda mínima para miseráveis. Queria salário mínimo equivalente a US$ 100. Etc.

    Como disse um dia seu ex-aliado Fernando Collor, ACM a princípio deixou a esquerda perplexa e a direita indignada. Muita gente também fazia troça da coisa: ACM, figura da reação e do mandonismo, querendo cobrar mais imposto para distribui-lo a pobres. A elite quase toda e seus lobbies e associações eram contra a ideia.

    O que se chamava então "equipe econômica" de FHC quase teve um troço com o plano de ACM. Administrava um país quase quebrado; sim, no fim das contas, o pessoal não ligava mesmo muito para pobres.

    Para grande diversão da plateia, ACM dizia então que Pedro Malan jamais vira um pobre. Malan era o ministro da Fazenda, síntese das virtudes e dos vícios do tucanismo econômico. Justiça seja feita, apesar de todos os pesares, Malan tentava desesperadamente evitar que o Brasil estourasse suas contas e quebrasse de novo.

    O PT a princípio desconfiou: "Não vamos combater a pobreza com o assistencialismo do ACM''. Mais tarde, alguns de seus senadores ajudariam a aprovar o fundo da pobreza, tais como Marina Silva, que de fato ajudou a melhorar o projeto de emenda constitucional, enfim aprovado no ano 2000. Por espírito de porco e desejo compartilhado de avacalhar FHC, petistas passaram a falar bem de ACM.

    Não, ACM não foi o "pai" do Bolsa Família. Nem FHC e tucanos. Nem Lula. A gente hoje só veio para confundir,

    Meus favoritos Martha Medeiros


    Estarei fora de Porto Alegre durante todo o período da Feira do Livro, mas para não me sentir totalmente afastada do evento, deixo aqui minha seleção de favoritos do ano, advertindo que nunca li tão pouco como em 2013, portanto, muita coisa boa ficou de fora. Um toque: antes de adquirir algum livro citado, dê uma folheada e leia a orelha – você sabe, gosto é gosto.

    Melhor livro que daria um ótimo filme: Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera. Foi lançado no verão passado e ainda não saiu da minha cabeça.

    Melhor livro que virou filme: Eu e Você, de Niccolò Ammaniti. Estreará em novembro, com direção de Bernardo Bertolucci.

    Melhor livro de crônicas: Um Operário em Férias, de Cristóvão Tezza, um autor que circula com desenvoltura por todos os gêneros e merece o título de um dos maiores escritores em atividade.

    Melhor livro que encerra a discussão sobre a diferença entre literatura masculina e feminina: o excelente Partir, da carioca Paula Parisot. É um road book: um homem vive uma série de experiências na estrada, ao deixar São Paulo rumo ao Alasca – pois é, logo ali, o Alasca. Escrevendo na primeira pessoa, Paula dá vida a um cara convincente, que em nenhum momento é traído pela feminilidade da mulher que o inventou.

    Melhor livro de esposa de autor consagrado: O Verão sem Homens, de Siri Hustvedt, que vem a ser a senhora Paul Auster.

    Melhor romance: Philip Roth, sempre ele, com seu magnífico O Professor do Desejo.

    Melhor livro de bolso: Carta ao meu Juiz, de George Simenon.

    Melhor livro que reli: O Apanhador no Campo de Centeio, que virou musical em cartaz atualmente em Porto Alegre. Mais um exemplo do amadurecimento do nosso teatro. Direção, coreografia, elenco, adaptação – a turma arrasa, e ainda tem as canções especialmente compostas para a peça pelo Thedy Corrêa. Assista logo, a temporada está quase acabando. É imperdível.

    Melhor livro experimental, o que for que isso signifique: Miranda July com seu interessante O Escolhido foi Você.

    Melhor livro divertido e com ótimos diálogos: O Substituto, de David Nicholls.

    Melhor livro lançado em 1923, mas que só fui ler agora: A Consciência de Zeno, de Italo Svevo.

    Melhor livro gaúcho: bom, em terra de Fabrício Carpinejar, Cíntia Moscovich, Leticia Wierzchovski, Paula Taitelbaum, dos veteranos Armindo Trevisan, Verissimo, Lya Luft, Assis Brasil, do patrono Luis Augusto Fischer, dos jornalistas David Coimbra, Mariana Kalil, Cláudia Laitano, do médico e colunista J.J. Camargo e de tantos outros talentos com livro na praça, não me atreverei a escolher um só. Mas o prêmio de mais hilariante relato sobre a praga que é telefonar para os serviços de atendimento ao consumidor vai para o conto “Hormônio do Demônio II”, que está em Sangue Quente, de Claudia Tajes.

    Como se vê, tem para todos os gostos, inclusive (espero) para o seu

    quarta-feira, 30 de outubro de 2013

    A perversidade do bulling silencioso

    Bia Botana



    Nós temos um conceito de bullying que abrange a idéia geral de uma situação entre indíviduos que molesta fisicamente e emocionalmente de maneira constante. Todavia, existe uma maneira mais sútil de bullying, uma que se assemelha ao assédio moral, eu refiro-me ao perverso bullying silencioso.



    O objetivo do bullying é o exercício do poder de um ser humano sobre outro, seja ele praticado pelo uso da “força física”, seja pela “intimidação psicológica” o bullying é uma prática de
     
    violência contra a integridade humana.  Na violência pela intimidação psicológica, o chamado bullying silencioso, busca-se o constrangimento do indíviduo, sua humilhação, com um ataque acobertado direto e agressivo à sua dignidade e autoestima a fim de submetê-lo através da perda crescente da sua autoconfiança a uma opressão da sua personalidade. O agressor objetiva manipular a vontade do sujeito tal como se esse fosse um marionete. O bullying silencioso deveria ser considerado mais seriamente em razão das graves consequências que pode ter para um indivíduou ou para um grupo de pessoas, sua agressão oculta leva os agredidos a sentir como se estivessem a morrer na alma. Esse tipo de bullying é tão perigoso que pode levar o indivíduo agredido a uma forte depressão e em casos extremos até ao suicídio, decorrente do sentimento de rejeição despertado pela exclusão social a que foi submetido.



    Quem faz o bullying silencioso sabe perfeitamente o que está fazendo à outra pessoa, que a faz sentir-se estúpida, mas como não usa comportamentos verbais, quando questionada de sua atitude simplesmente desculpa-se dizendo cinicamente que não estava fazendo nada. Os agressores do bullying silencioso podem ser os chefes autoritários e desqualificadores, companheiros de trabalho ou de estudos, que invejosos sobrecarregam seus alvos com constantes culpas por situações insatisfatórias de desempenho, companheiros amorosos e familiares que são arrogantes e mentirosos, mas principalmente são  os manipuladores os piores de todos. Os agressores manipuladores podem ser pessoas ou os ambientes de atividades sociais que se caracterizam pelo objetivo de quererem ter o controle sobre a vida de um indíviduo ou de um grupo de pessoas, que sendo notados por alguma qualidade de valia especial passarão a ser alvo do agressor manipulador, interessado em suprimir o estado de sucesso e tirar em proveito próprio tudo o que puder, além de eliminar qualquer possível rivalidade.



    Normalmente o agressor manipulador usa da sedução para atrair, oferece algo do interesse de sua vítima em troca de nada (apenas na aparência), em ocasião oportuna exigirá a disposição desse a todo momento para satisfazer suas necessidades, até então ocultas, colocando seu alvo na posição de devedor por conta de seus favores gratuitos prestados anteriormente. Será tarde demais quando a vitíma do manipulador descobrir que sua vida foi contada a todo mundo e que o manipulador adquiriu o poder de controlar a sua vida, com o poder de fazê-lo sentir-se constantemente mal, fragilizado, inteiramente  “dependente”  de outra pessoa, de um grupo social ou de uma situação, caindo na armadilha que lhe foi armada para apenas ter a  impressão de ser aceito e  não sofrer uma exclusão social.



    Em março de 2011,  Kipling D. Williams, pesquisador da Universidade de Purdue, nos EUA, publicou um estudo relevante que alertava que o bullying silencioso era uma forma de exclusão social – que leva ao ostracismo e à solidão. Segundo esse estudo, “ser excluído ou sofrer ostracismo é uma forma invisível de bullying e geralmente seus impactos são substimados”. Para Williams “ser excluído por seus colegas no colégio, no trabalho, ou mesmo por cônjuges ou familiares pode ser insuportável. O bullying silencioso, tal como a exclusão social e o ostracismo causa sentimentos de dor que podem ter efeitos duradouros, quando uma pessoa é isolada socialmente, o córtex cingulado dorsal anterior do cérebro, que registra a dor física, também sente como dor essa sensação de injustiça social. Ser excluído é doloroso porque ameaça as necessidades humanas fundamentais, que são o  pertencimento e a autoestima. Essa dor pode ser sentida mesmo quando a exclusão é praticada por um desconhecido ou por um curto período. “



    O estudo de Kipling D. Williams envolveu 5 mil participantes em um jogo de computador, desenvolvido por ele, com o foco de demonstrar que como o  ostracismo a exclusão social do bullying silencioso é uma experiência de três estágios:  (i) os atos iniciais de ser ignorado ou excluído,  (ii) enfrentamento e (iii) resignação.  E, demonstrar, também, o efeito tóxico que apenas dois ou três minutos de exclusão social provoca no indivíduo sentimentos negativos prolongados.



    As reações ao primeiro estágio, de ser ignorado ou excluído (i), foram semelhantes a todos participantes, mas as formas de enfrentamento (ii) foram diferentes. A mais comum foi adotar uma atitude comportamental inclusiva, tal como obedecer ordens, cooperar ou expressar simpatia. Todavia, se a esperança de reinclusão futura se dissipava e dava lugar a sensação de perda de controle da própria vida, os jogadores recorriam ao comportamento provocativo e mesmo até agressivo. Com o surgimento do sentimento de frustração  em algum ponto do processo de inclusão a pessoa parava de se preocupar em ser agradável e passava a querer apenas ser notada. Evidenciou-se que se uma pessoa é isolada por um longo tempo ela pode perder a capacidade de enfrentamento contínuo, pois a dor emocional se faz persistente, conduzindo a pessoa à desistência, ou ao estado de resignação (iii) onde a pessoa passou a apresentar um aumento da raiva e da tristeza.



    Assim, comprovou-se que o ostracismo de longo termo presente na exclusão social e no bullying silencioso, pode resultar em alienação, depressão, sensação de desamparo e sentimento de indignidade, os quais fomentam o radicalismo e a intolerância, tornando a pessoa propensa à hostilidade e à violência. Pois, em resposta a sensação de se perder o controle sobre a condução da própria vida o comportamento agressivo apresenta-se como uma forma eficaz de restaurar a integridade individual, não importando que esse comportamento venha acompanhado de violência contra si mesmo ou contra terceiros.  E é nesse ponto que o bullying social e a exclusão social aparecem como faces  mesma moeda com um viés de perversidade e ainda pouco estudado, cujas consequências ainda não foram dimencionadas corretamente.



    Ora, é difícil de acreditar que é exatamente esse tipo de jogo psicológico elaborado por Kipling D. Williams para seu estudo, que foi aplicado num jogo comercial tremendamnete viciante distribuído pelo Facebook, o notório “Candy Crush”, do desenvolvedor de jogos britânico, King.



    A King Com. tem desenvolvido jogos há 10 anos e tornou-se rentável a partir de 2005, mas teve um sucesso meteórico a partir do final de 2011, justo no mesmo ano da divulgação do jogo de exclusão social da pesquisa de Williams. Desde então a King tem fornecido os jogos mais populares e ganhando rios de dinheiro com plataformas como o Facebook e iOS. Um não tão inocente jogo como o “Candy Crush” não é apenas viciante, mas também extremamente torturante com seu processo de bullyings de exclusão social, aplicados em métodos subliminares de manipulação mental capazes de fazerem as técnicas torturantes de reflexos condicionados de Pavlov uma brincadeirinha infantil.



    Não foi apenas em razão da onda de suicídios crescente desde 2008 entre os frequentadores das redes sociais, adolecentes, jovens e não tão jovens assim, que em meados do último setembro o Facebook criou um recurso para prevenir suicídios. Decisão tomada após o suicídio da adolescente britânica Hannah Smith de 14 anos, no último dia 2 de agosto, aparentemente devido aos insultos e ameaças que recebeu em seu perfil no Ask.fm, uma rede social em que os usuários postam perguntas e resolvem dúvidas de forma anônima. A Ask.fm pertence aos milionários letões Ilja e Marks Terebins, e está registrado na Letônia e tem mais de 60 milhões de usuários.  O fato dos usuários poderem se conservar no anonimato, e a presunção do anonimato como forma de ocultar a sociopatia, é, ao que parece, o cerne do problema, já que sites como o Ask são viciantes e, mesmo contendo insultos, as pessoas continuam regressando a estas páginas curiosas a respeito do que estão dizendo delas.



    A bem da verdade, ao que parece ninguém está se importando muito ao que está acontecendo não só às crianças e aos jovens na Internet como também a todos níveis de usuários, porque os altíssimos rendimentos financeiros que a Internet vem apresentado são mais importantes que o bem-estar dos indivíduos. O drama que se desenvolve no cenário das redes sociais da Internet está inteiramente tomado pelo processo do bullying silencioso que vem sendo práticado tanto pelos usuários entre si como pelas plataformas de redes sociais em relação aos seus usuários.



    No passado, cada um de nós administrava o risco de dano em sua vida pessoal. Hoje os riscos são globais e de vítimas não delimitáveis. Um dano ao sistema afetará a todos, enquanto novos intrumentos de produção de dano, intencional ou não, surgem com diferenciado potencial para produzir lesividades. Ou seja, a questão que atormenta as vítimas do cyber bullying silencioso é não terem o controle, nem a instrumentação para o enfrentamento da perturbação, aliado à questão do anonimato potencial dessa prática e a sensação de impunidade para os agressores.



    A sociedade tornou-se menos solidária,  está desaparecendo a rede de apoio antes sustentada pelos laços fraternos de amizade entre as familias. Há uma crescente solidão e distanciamento entre as pessoas, a intimidade não é algo desejável, as pessoas tendem a se isolar em autodefesa contra relacionamentos com pessoas tóxicas, aquelas agressoras e dadas ao bullying silencioso. As pessoas que já foram agredidas com o bullying silencioso aprenderam a estudar seus agressores como forma de defesa, fazendo um plano para conhecer o “inimigo”, descubrindo suas debilidades e pontos fracos, assim eliminando o próprio medo e abandonando o papel de  vítima e podendo demonstrar com atitudes firmes que não é  mais vulnerável a este tipo de ataque, o que é preferível ao confronto verbal, o qual só será eficaz com um plano prévio que dê segurança à vítima, mas não é o mais indicado, pois a tensão pode ser tão grande que a pessoa se sinta como uma panela de pressão prestes a estourar, e pode perder o controle sobre a sua raiva e recorrer à violência, o que seria indesejável.   



    Tendo em vista a tomada de atitudes positivas para defesa contra o cyber bullying silencioso nas redes socias o suicídio virtual está cada vez mais frequente. Questões relacionadas com a privacidade, combate a situações de manipulações viantes na Internet estão entre os principais motivos que estão levando ao suícidio virtual, ou seja, a eliminação dos perfis nas redes sociais, em serviços como Facebook, Google+ ou Twitter.  A tendência está chamando a atenção dos investigadores da Escola de Psicologia da Universidade de Viena, que identificou o perfil dos suicidas virtuais em maioria do sexo masculino, e , em média, mais velhos que aqueles que permanecem ativos, a par da questão da privacidade e da proteção de dados, e o do tempo gasto online , os suicidas virtuais alegam aspectos negativos como a pressão social de ter amigos, de ser “comentado” e de ser obrigado a ter uma determinada qualidade em suas publicações, gerando um aumento de insatisfação e levando à perda de interesse. Há ainda a pressão social para não só ser feliz como para ter sucesso nas atividades e ser popular. Todo mundo tem que se sentir ótimo. A obrigação de “ser feliz e bem sucedido” gera uma crescente tensão na medida que se enfrenta situações de fracasso e logo não se é feliz. Nessa situação a convivência nas redes sociais são nocívas e intoxicantes ao indíviduo, e o suícidio virtual é uma maneira de baixar o nível de pressão.



    Ao meu ver, o grande problema tem ocorrido quando a pessoa se torna um viciado dependente do mundo virtual, a ponto que o seu perfil tenha se transformado em um avatar e ela já nem saiba quem é mais de verdade, e sua personalidade ter ficado desassociada inteiramente da realidade, caso em em que o processo poderá levar a pessoa a se comportar na vida real como seu avatar da vida virtual. Esse tipo de pessoa poderá ser tanto vítima como agressora do cyber bullying silencioso e tendo perdido a noção de limites passa a trazer para a realidade mundana toda a violência e agressividade que está sendo vivenciada no mundo virtual, o que pode ser desde a prática constante de bullying silencioso nas suas relações sociais como até a vivenciar a angustia profunda da exclusão social e chegar ao suicídio real. Ao final de 2012 eu disse para os meus amigos: “Quem quiser sobreviver a esta década terá que desligar o computador e  o celular, para voltar a encontrar  o prazer na vida real e esquecer o mal que as pessoas podem fazer umas às outras.”  O final de 2013 se aproxima e continuo pensando da mesma maneira

    Entrevista: Flávio Gikovate

    Veja - O senhor diria para a maioria das pessoas que o casamento pode não ser uma boa decisão na vida?
    Gikovate - Sim. As pessoas que estão casadas e são felizes são uma minoria. Com base nos atendimentos que faço e nas pessoas que conheço, não passam de 5%. A imensa maioria é a dos mal casados. São indivíduos que se envolveram em uma trama nada evolutiva e pouco saudável. Vivem relacionamentos possessivos em que não há confiança recíproca nem sinceridade. Por algum tempo depois do casamento, consideram-se felizes e bem casados porque ganham filhos e se estabelecem profissionalmente. Porém, lá entre sete e dez anos de casamento, eles terão de se deparar com a realidade e tomar uma decisão drástica, que normalmente é a separação.

    Veja - Ficar sozinho é melhor, então?
    Gikovate - Há muitos solteiros felizes. Levam uma vida serena e sem conflitos. Quando sentem uma sensação de desamparo, aquele "vazio no estômago" por estarem sozinhos, resolvem a questão sem ajuda. Mantêm-se ocupados, cultivam bons amigos, lêem um bom livro, vão ao cinema. Com um pouco de paciência e treino, driblam a solidão e se dedicam às tarefas que mais gostam. Os solteiros que não estão bem são geralmente os que ainda sonham com um amor romântico. Ainda possuem a idéia de que uma pessoa precisa de outra para se completar. Pensam, como Vinicius de Moraes, que "é impossível ser feliz sozinho". Isso caducou. Daí, vivem tristes e deprimidos.

    Veja - Por que os casamentos acabam não dando certo?
    Gikovate - Quase todos os casamentos hoje são assim: um é mais extrovertido, estourado, de gênio forte. É vaidoso e precisa sempre de elogios. O outro é mais discreto, mais manso, mais tolerante. Faz tudo para agradar o primeiro. Todo mundo conhece pelo menos meia-dúzia de casais assim, entre um egoísta e um generoso. O primeiro reclama muito e, assim, recebe muito mais do que dá. O segundo tem baixa auto-estima e está sempre disposto a servir o outro. Muitos homens egoístas fazem questão que a mulher generosa esteja do lado dele enquanto ele assiste na televisão os seus programas preferidos. Mulheres egoístas não aceitam que seus esposos joguem futebol. Consideram isso uma traição. De um jeito ou de outro, o generoso sempre precisa fazer concessões para agradar o egoísta, ou não brigar com ele. Em nome do amor, deixam sua individualidade em segundo plano. E a felicidade vai junto. O casamento, então, começa a desmoronar. Para os meus pacientes, eu sempre digo: se você tiver de escolher entre amor e individualidade, opte pelo segundo.

    Veja - Viver sozinho não seria uma postura muito individualista?
    Gikovate - Não há nada de errado em ser individualista. Muitos dos autores contemporâneos têm uma postura crítica em relação a isso. Confundem individualismo com egoísmo ou descaso pelos outros. São conceitos diferentes. Outros dizem que o individualismo é liberal e até mesmo de direita. Eu não penso assim. O individualismo corresponde a um crescimento emocional. Quando a pessoa se reconhece como uma unidade, e não como uma metade desamparada, consegue estabelecer relações afetivas de boa qualidade. Por tabela, também poderá construir uma sociedade mais justa. Conhecem melhor a si próprio e, por isso, sabem das necessidades e desejos dos outros. O individualismo acabará por gerar frutos muito interessantes e positivos no futuro. Criará condições para um avanço moral significativo.

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    Veja -
    Por que os casamentos normalmente ocorrem entre egoístas e generosos?
    Gikovate - A idéia geral na nossa sociedade é a de que os opostos se atraem. E isso acontece por vários motivos. Na juventude, não gostamos muito do nosso modo de ser e admiramos quem é diferente de nós. Assim, egoístas e generosos acabam se envolvendo. O egoísta, por ser exibicionista, também atrai o generoso, que vê no outro qualidades que ele não possui. Por fim, nossos pais e avós são geralmente uniões desse tipo, e nós acabamos repetindo o erro deles.

    Veja - Para quem tem filhos não é melhor estar em um casamento? E, para os filhos, não é melhor ter pais casados?
    Gikovate - Para quem pretende construir projetos em comum � e ter filhos é o mais relevantes deles � o melhor é jogar em dupla. Crianças dão muito trabalho e preocupação. É muito mais fácil, então, quando essa tarefa é compartilhada. Do ponto de vista da criança, o mais provável é que elas se sintam mais amparadas quando crescem segundo os padrões culturais que dominam no seu meio-ambiente. Se elas são criadas pelo padrasto, vivem com os filhos de outros casamentos da mãe, mas estudam em uma escola de valores fortemente conservadores e religiosos, poderão sentir algum mal-estar. Do ponto de vista emocional, não creio que se possa fazer um julgamento definitivo sobre as vantagens da família tradicional sobre as constituídas por casais gays ou por um pai ou mãe solteiros. Estamos em um processo de transição no qual ainda não estão constituídos novos valores morais. É sempre bom esperar um pouco para não fazer avaliações precipitadas.

    Veja - Que conselhos você daria para um jovem que acaba de começar na vida amorosa?
    Gikovate - É preciso que o jovem entenda que o amor romântico, apesar de aparecer o tempo todo nos filmes, romances e novelas, está com os dias contados. Esse amor, que nasceu no século XIX com a revolução industrial, tem um caráter muito possessivo. Segundo esse ideal, duas pessoas que se amam devem estar juntas em todos os seus momentos livres, o que é uma afronta à individualidade. O mundo mudou muito desde então. É só olhar como vivem as viúvas. Estão todas felizes da vida. Contudo, como muitos jovens ainda sonham com esse amor romântico, casam-se, separam-se e casam-se de novo, várias vezes, até aprender essa lição. Se é que aprendem. Se um jovem já tem a noção de não precisa se casar par ser feliz, ele pulará todas essas etapas que provocam sofrimento.

    Veja - As mulheres são mais ansiosas em casar do que os homens? Por quê?
    Gikovate - As mulheres têm obsessão por casamento. É uma visão totalmente antiquada, que os homens não possuem. Uma vez, quando eu ainda escrevia para a revista Cláudia, o pessoal da redação fez uma pesquisa sobre os desejos das pessoas. O maior sonho de 100% das moças de 18 a 20 anos de idade era se casar e ter filho. Entre os homens, quase nenhum respondeu isso. Queriam ser bons profissionais, fazer grandes viagens. Essa diferença abismal acontece por razões derivadas da tradição cultural. No passado, o casamento era do máximo interesse das mulheres porque só assim poderiam ter uma vida sexual socialmente aceitável. Poderiam ter filhos e um homem que as protegeria e pagaria as contas. Os homens, por sua vez, entendiam apenas que algum dia eles seriam obrigados a fazer isso. Nos dias que correm, as razões que levavam mulheres a ter necessidade de casar não se sustentam. Nas universidades, o número de moças é superior ao de rapazes. Em poucas décadas, elas ganharão mais que eles. Resta acompanhar o que irá acontecer com as mulheres, agora livres sexualmente, nem sempre tão interessadas em ter filhos e independentes economicamente.

    Veja - Como será o amor do futuro?
    Gikovate - Os relacionamentos que não respeitam a individualidade estão condenados a desaparecer. Isso de certa forma já ocorre naturalmente. No Brasil, o número de divórcios já é maior que o de casamentos no ano. Atualmente, muitos homens e mulheres já consideram que ficarão sozinhos para sempre ou já aceitam a idéia de aguardar até o momento em que encontrarão alguém parecido tanto no caráter quanto nos interesses pessoais. Se isso ocorrer, terão prazer em estar juntos em um número grande de situações. Nesse novo cenário, em que há afinidade e respeito pelas diferenças, a individualidade é preservada. Eu estou no meu segundo casamento. Minha mulher gosta de ópera. Quando ela quer ir, vai sozinha. E não há qualquer problema nisso.

    Veja - Quando duas pessoas decidem morar juntas, a individualidade não sofre um abalo?
    Gikovate - Não necessariamente elas precisarão morar juntas. Em um dos meus programas de rádio, um casal me perguntou se estavam sendo ousados demais em se casar e continuarem morando separados. Isso está ficando cada dia mais comum. Há outros tantos casais que moram juntos, mas em quartos separados. Se o objetivo é preservar a individualidade, não há razão para vergonha. O interessante é a qualidade do vínculo que existirá entre duas pessoas. No primeiro mundo, esse comportamento já é normal. Muitos casais moram até em cidades diferentes.

    Veja - É possível ser fiel morando em casas ou cidades diferentes?
    Gikovate - A fidelidade ocorre espontaneamente quando se estabelece um vínculo de qualidade. Em um clima assim, o elemento erótico perde um pouco seu impacto. Por incrível que pareça, essas relações são monogâmicas. É algo difícil de explicar, mas que acontece.

    Veja - Com o fim do amor romântico, como fica o sexo?
    Gikovate - Um dos grandes problemas ligados à questão sentimental é justamente o de que o desejo sexual nem sempre acompanha a intimidade efetiva, aquela baseada em afinidade e companheirismo. É incrível como de vez em quando amor e sexo combinam, mas isso não ocorre com facilidade. Por outro lado, o sexo com um parceiro desconhecido, ou quase isso, é quase sempre muito pouco interessante. Quando acaba, as pessoas sentem um grande vazio. Não é algo que eu recomendaria. Hoje, as normas de comportamento são ditadas pela indústria pornográfica e se parece com um exercício físico. O sexo então tem mais compromisso com agressividade do que com amor e amizade. Jovens que têm amigos muito chegados e queridos dizem que transar com eles não tem nada a ver. Acham mais fácil transar com inimigos do que com o melhor amigo. Penso que, com o amadurecimento emocional, as pessoas tenderão a se abster desse tipo de prática.

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    As desilusões com o primeiro casamento têm ajudado as pessoas a tomar as decisões corretas?
    Gikovate - No início da epidemia de divórcios brasileira, na década de 70, as pessoas se separavam e atribuíam o desastre da união a problemas genéricos. Alguns diziam que o amor acabou. Outros, o parceiro era muito chato. Não se davam conta de que as questões eram mais complexas. Então, acabavam se unindo à outras pessoas muito parecidas com as que tinham acabado de descartar. Hoje, os indivíduos estão mais críticos. Aceitam ficar mais tempo sozinhos e fazem autocríticas mais consistentes. Por causa disso, conseguem evoluir emocionalmente e percebem que terão que mudar radicalmente os critérios de escolha do parceiro. Se antes queriam alguém diferente, hoje a tendência é buscarem uma pessoa com afinidades.

    Veja - O senhor já escreveu colunas para jornais, revistas, atuou na televisão e agora tem um programa na rádio. O senhor se considera um marqueteiro?
    Gikovate - Sempre gostei de trabalhar com os meios de comunicação. Psicologia não é assunto para especialistas, mas de todo mundo. Faço essas coisas também porque é uma forma de entrar em contato com um público diferente do que eu encontro normalmente. Na rádio, respondo perguntas de gente tacanha, que jamais teriam condição de pagar uma consulta. Estão em um outro patamar financeiro. Mas o que dizem, é ouro puro. As colunas e programas de rádio que eu faço não me trazem clientes. Às vezes, só atrapalham. Em 1982, aceitei trabalhar com o Corinthians. Era a democracia corinthiana. Foi um balde de água fria na clínica. Imagine só, o Corinthians! Não foi o tipo de notícia que meus pacientes gostaram de ouvir. Eu fiquei lá dois anos. Meu pai ficava chocado com essas coisas, porque naquele tempo médico de bom nível não fazia essas coisas. Não estava nem aí. Quando eu me interesso por alguma coisa, eu vou. No mais, se eu fosse um simples marqueteiro, não teria durado 41 anos.

    Veja - Apesar de todo esse tempo de clínica, o senhor atuou sozinho, longe das universidades. Por quê?
    Gikovate - O mundo acadêmico está cheio de papagaios, que repetem fórmulas prontas. Citam sempre outros pensadores, mas nunca vão a lugar algum. Não têm coragem para disso. Esse universo, do qual eu acabei me afastando, é extremamente conservador. Não são eles que produzem as novas idéias. Muitos fingem que eu não existo. Diziam à pequena que eu era um cara muito pragmático, que levava em conta muito os resultados, o que é verdade. Os que mais gostam do que eu faço não são da minha área. São os filósofos, como o Renato Janine Ribeiro e a Olgária Matos. De minha parte, eu sempre fugi dos rótulos. Não me inscrevi membro da Sociedade de Psicanálise. Não sou membro de qualquer sociedade dogmática. Não sou sócio de nenhum clube. Sou uma pessoa de mente aberta. Nunca quis discípulos. Os meus discípulos, se um dia existirem, pensarão por conta própria. Se tiverem um monte de opiniões diferentes das minhas, seria ótimo.

     

    Os sexos se confundem leniza Castelo Branco

    Seres esféricos, fortes, vigorosos, tentam galgar o Olimpo, a montanha sagrada onde moram os deuses gregos. Querem o poder. Possuem os dois sexos ao mesmo tempo, quatro mãos, quatro pernas e duas faces idênticas, opostas. Diante do perigo, o chefe de todos os deuses, Zeus, decide cortar ao meio os andróginos (do grego andrós, aquele que fecunda, o macho, o homem viril; e guynaikós, mulher, fêmea). “Sede humildes”, podemos supor que trovejou o grande deus, arremetendo os raios que apavoraram os tempos anteriores à descoberta do fogo. Ao enfraquecer o homem e a mulher, assim criados, Zeus condenou cada metade a buscar a outra, o desejo extremo de reunir-se e curar a angustiada e ferida natu-reza humana.
    Este, resumidamente, é o mito do amor tal como o filósofo grego Platão (428-348 ou 427-347 a.C.) o descreveu nos diálogos de O banquete, reproduzindo o relato feito por Aristófanes, o mais famoso comediógrafo grego (450-388 a.C.), durante um jantar e simpósio, encontro onde se tomava vinho e se trocavam idéias. Estava presente, entre muitos outros convidados ilustres, o filósofo Sócrates (470-399 a.C.) Deve ter sido uma noitada daquelas, mas não se pode dizer que começou ali a preocupação da humanidade com a androginia. Numerosas cosmogonias, anteriores à civilização grega, explicaram o mundo a partir de um ovo primordial, o símbolo da fertilidade.
    Para a Biologia, andrógino é o ser que possui os dois sexos ao mesmo tempo e é capaz de reproduzir-se sozinho (não no caso dos humanos). O mesmo que hermafrodita. Mas para os psicólogos, médicos e até estilistas, a androginia é sobretudo um fenômeno cultural, nada tem a ver com a bissexualidade ou o homossexualismo. “O que está em jogo é o papel social desempenhado pelo indivíduo. A pessoa andrógina não precisa ter, necessariamente, comportamento sexual ambíguo”, explica o sexólogo Oswaldo Rodrigues Júnior, de São Paulo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Sexualidade. Ele dá exemplos de incorporação de papéis sociais do sexo oposto: o homem que não tem vergonha de chorar e expor sentimentos, cuida dos filhos, participa das tarefas domésticas, ou a mulher que impõe opiniões, assume o sustento da casa, exerce profissões consideradas “masculinas”.
    O psicanalista Renato Mezan, da Pontifícia Universidade de São Paulo, expõe com clareza: “São fatores sociais que aos poucos esfumaçam as diferenças entre os gêneros e embaralham a consciência que homens e mulheres tinham de sua identidade e função social. Por isso é impossível explicar a androginia apenas em termos psicológicos. Ela não é uma opção sexual e está no plano do consciente”. Entre as vanguardas culturais, é verdade, sempre existiram andróginos — artistas, burgueses contestatórios, suf-fragettes (militantes femininas que exigiam o direito de votar). Mas com certeza nunca a confusão foi tão grande como agora.
    “A diferença entre os gêneros diminuiu com a entrada da mulher de classe média no mercado de trabalho, principalmente em posições executivas, o que fica mais evidente nos Estados Unidos”, observa a antropóloga Bela Feldman-Bianco, da Universidade de Campinas, São Paulo. “O fenômeno nada tem a ver com a Biologia. Um número crescente de mulheres reage contra a estereotipia dos papéis sexuais. Não querem mais saber se ‘isso é coisa de homem ou de mulher’”. Ela acredita que muito da androginia moderna veio do movimento feminista americano, que identificava o feminino como conservador. E do gosto gay na moda, na beleza, na decoração. Renato Mezan reconhece com clareza: falta ao homem tranqüilidade para executar atributos do outro sexo sem sentir-se diminuído. “Assumir os dois lados da sexualidade e da sensualidade ainda é uma questão de caso a caso. De outro lado, negar as diferenças pode gerar um híbrido, nem isso nem aquilo. Aí, há privação das qualidades de ambos,” expõe.
    O dilema provoca ásperas discussões. Radical, Camille Paglia, professora de Literatura da Universidade de Arte da Filadélfia, nos Estados Unidos, sustenta no livro Personas sexuais que a androginia não passa de arma das feministas contra o princípio masculino: “Serve para anular os homens, significa que eles devem ser como as mulheres, e as mulheres podem ser como quiserem”. Ela acredita, em todo caso, que o culto do masculino será preservado graças aos gays — o que não deixa de ser, também, uma inversão. Menos contundente, o estilista e cabeleireiro Diaullas de Ná, de São Paulo, oferece sua opinião: “A androginia é um jogo lúdico, em que o homem projeta seu lado masculino na mulher, e a mulher projeta seu lado feminino no homem. Um jogo que globaliza, traça um círculo de 360 graus em torno do outro, totalmente diverso do homossexual, autocentrado, ou do bissexual que separa com rigidez o masculino do feminino”.
    Empresária e especialista de moda, Costanza Pascolato há anos analisa a influência da androginia no estilismo. “A moda contemporânea não pára de brincar com as diferenças entre os gêneros. Com isso expressamos nossas idéias mutantes sobre o que é ser homem ou mulher”, escreveu em 1988, num artigo de jornal. Hoje ela acrescenta: “Um ligeiro toque de ambigüidade aumenta o lado sensual das pessoas. O masculino e o feminino exagerados são menos sexy. Há uma qualidade misteriosa em Marlene Dietrich e Greta Garbo, que vem em parte da sugestão de virilidade lá no fundo de sua personalidade”.
    O problema está no risco de perder-se a nitidez dos gêneros pois, como analisa Renato Mezan, as pessoas nesse caso aderem a modas em busca de orientação: “Em geral, as tendências são mais rigorosas do que as anteriores, gerando um espírito de gangue”. É o temor da antropóloga Cynthia Sarti, da Universidade de São Paulo: “Acho que existe alguma coisa perversa na androginia, pois faz supor algo que não é: impõe uma imagem sem sugerir nenhum novo masculino ou feminino. Nega as diferenças. Sinto a idéia como totalitária, e nada mais nocivo à humanidade do que posturas antidemocráticas”.
    Pode ser, mas convém lembrar que a intenção, por trás dos modismos em geral, e da androginia em particular agora, depende sempre do contexto social. Por exemplo, na Alemanha pré-nazista dos anos 20, os cabelos curtos usados pelas mulheres eram uma contestação ao ideal feminino pregado pelos nazistas, que pensavam nas mulheres como robustas valquírias de longos cabelos loiros, engomadas nas suas roupagens regionais, vivendo em regime de dedicação exclusiva aos três Ks: Kinder, Küche, Kirche (crianças, cozinha, igreja). Vestir-se como homem, pensar e agir como um marxista era ser mesmo muito do contra.
    É possível que estejamos convivendo, atualmente, com uma acentuada tendência à alteridade — conceito desenvolvido pelo psicoterapeuta Carlos Byington, de São Paulo, um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica.“O dinamismo da alteridade consiste na interação igualitária das polaridades”, escreveu em obscuro dialeto profissional no livro Dimensões simbólicas da personalidade.
    A psicóloga Leniza Castello Branco, de São Paulo, completa e clarifica o raciocínio: “A mulher recupera seu lado masculino sem tornar-se lésbica, e o homem seu lado feminino sem tornar-se gay”. Para essa psicoterapeuta, a androginia traria um retorno do reprimido: o corpo, o sexo, a magia, o feminino. “Por causa do reprimido existe carnaval em todas as culturas”, explica. “Permite-se a vivência do contrário, a inversão. O pobre se veste de rico, o homem se veste de mulher, alguns se fantasiam de animais. O carnaval é a festa de Dioniso, o deus pagão que representava o campo, a fertilidade, o vinho. Ele nasceu da coxa de Zeus, um andrógino, pois gestou um filho.”
    Os primeiros andróginos explícitos da atual voga no Brasil começaram a aparecer na década de 70, inspirados em cantores pop americanos e, logo em seguida, brasileiros. Naquela época não se viam, como hoje, homens e mulheres anônimos vestidos e penteados com tal ambigüidade — terninhos, tênis, mocassinos, cabelos quase recos —, capazes de provocar tanta confusão que fica impossível distinguir uns das outras. “Em caso de dúvida é mulher”, ensinam os moradores de San Francisco, talvez os americanos mais acostumados a conviver com a androginia em voga em todo o mundo. Aliás, é da psicoterapeuta americana June Singer, autora do livro Androginia — rumo a uma nova teoria da sexualidade, a comparação do andrógino com o ovo fecundado. Ela considera que, por reunir características psicológicas abrangentes, a androginia é a chave do futuro. Talvez seja um exagero, mas, para que dela fique alguma marca indelével na história humana, será preciso que assuma resolutamente o que é específico de cada gênero. Sem prejuízo da divisão de responsabilidades sociais e sem a soberba dos seres esféricos que pretenderam invadir o Olimpo. Haverá mais chances de sucesso na vida afetiva e profissional e nenhuma necessidade de invejar os deuses.

    Walters - LUIS FERNANDO VERISSIMO




    O Stanislaw Ponte Preta, grande humorista, também escrevia “sério”, mas com outro nome. Escrevia contos e comentários que assinava com seu nome verdadeiro, Sergio Porto. Stanislaw Ponte Preta era ao mesmo tempo o criador de personagens inesquecíveis e ele mesmo um personagem inesquecivel, criado por Sergio Porto — seu Walter Ego, como diria o próprio Lalau. Já o Millôr fazia humor e falava sério sem mudar de nome, e nos ensinou que você pode tratar das últimas questões da existência sem perder a graça, ou das mais bobas sem ser bobo.

    Graham Greene não mudava de nome, mas dividia sua obra em literatura e o que chamava de “entretenimentos”, que incluíam policiais e comédias. Sua literatura “séria” era fortemente marcada pela desilusão política e a busca da salvação numa conduta ética particular ou na religião. Pode-se imaginar Greene começando um “entretenimento” como quem tira férias das suas angústias, ou troca sapatos apertados por chinelos de dedo.

    Nunca ficou claro por que o Fernando Pessoa usava tantos heterônimos, já que a poesia de Álvaro de Campos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis e os outros que ele inventou não era muito diferente da sua. Talvez fosse apenas a vontade, comum a artistas, de ser muitos. No meu caso — note a naturalidade com que pulei de Fernando Pessoa à minha pessoa — foi por necessidade. Quando comecei a trabalhar em jornal uma das minhas funções era escrever para a página de opiniões quando faltavam articulistas, e usava dois pseudônimos que muitas vezes se contradiziam. Nunca chegou a haver polêmica aberta entre os dois, mas o Luis Volpe e Fernando Lopes claramente se odiavam, e viviam trocando farpas

    Apegos Martha medeiros

    Dizem alguns filósofos e também os budistas: o apego é a causa de todas as nossas dores emocionais. Concordo, mas faço ressalvas. O apego também provoca inúmeras alegrias e satisfações. Não faz sentido evitar filhos, paixões e amizades a fim de se proteger de tristezas, preocupações e frustrações. Passar uma vida inteira desapegada das pessoas seria entregar-se ao vazio existencial – e nunca ouvi dizer que isso gerasse bem-estar. Desapegar-se em troca de paz é uma falácia, só demonstra covardia de viver.

    Não haveria um caminho do meio? Xeretando ainda mais os livros de filosofia, encontrei algo do romeno Cioran que me pareceu chegar bem perto de uma saída para o impasse. Diz ele que a única forma de viver sem drama é suportar os defeitos dos demais sem pretender que sejam corrigidos.

    Eis aí uma fórmula bem razoável para não se estressar. Apegue-se, tudo bem, mas com 100% de tolerância. Em tese, é perfeito.

    Em menos de poucos segundos, consigo listar tudo o que me incomoda nas pessoas que mais amo. Conseguiria listar também o que me faz amá-las, é claro, mas o ser humano veio com um chip do contra: os defeitos dos outros sempre parecem mais significativos do que suas qualidades. Depois de um longo tempo de convívio, aquilo que nos exaspera torna-se mais relevante do que aquilo que nos extasia.

    Pois a recomendação é: exaspere-se, mas saiba que não vai adiantar. Nada do que você disser, nenhuma cobrança, nenhum discurso, nenhuma novena, nada fará com que os defeitos do seu pai, da sua mãe, do seu marido, da sua mulher ou dos seus filhos desapareçam num passe de mágica. Assim como os seus também jamais evaporarão, por mais que os outros rezem e supliquem pra você deixar de ser tão ........... (preencha os pontinhos). Você é capaz de reconhecer seu defeito mais insuportável?

    Só mesmo passando uma longa temporada num mosteiro do Tibete para desenvolver a capacidade de aceitar tudo o que nos tira do sério. Seu filho indiferente, seu marido pão-duro, sua mãe mal-humorada, sua amiga carente, seu chefe durão, seu zelador folgado, sua irmã fofoqueira, seu colega chatonildo – imagine que paraíso se pudéssemos relevar essas e tantas outras diferenças, comungando com os defeitos alheios sem nunca mais esperar que os outros mudem. Deixar de esperar é uma libertação.

    Pois não espere mesmo, pois ninguém vai mudar nem um bocadinho. Nem você, nem aqueles que você tanto ama, por mais que você pense que é fácil alguém deixar de ser ranzinza, orgulhoso ou o que for. Aceite todos como são e, aleluia: drama, nunca mais. Se conseguir, tem um troféu esperando por você, além de prêmio em dinheiro e uma foto autografada do Buda.

    Devaneios sobre a ociosidade - JOÃO PEREIRA COUTINHO

    Continuamos bestas de carga iguais às que era possível contemplar em plena Revolução Industrial


    1. Ironia: a única coisa que tolero em Karl Marx é, bem vistas as coisas, o genro. O nome do cavalheiro é Paul Lafargue e o seu "Direito à Preguiça" é texto que guardo junto à cama. Para ler e reler quando a ociosidade me ataca. Que nos diz Lafargue?

    O óbvio: haverá coisa mais triste do que uma existência inteiramente dedicada ao trabalho? Sobretudo a um trabalho que nos escraviza e desumaniza?

    Por isso Lafargue defende: mais importante do que os "direitos do homem" são os "direitos à preguiça". Que um dia, escreve ele, serão respeitados por uma civilização tecnologicamente avançada. Trabalharemos três horas, não mais. As máquinas farão o resto por nós.

    Sorrio sempre quando leio esse pedaço de otimismo. Lafargue escrevia no século 19. O que diria ele se visitasse a Europa do século 21?

    Em Portugal, por exemplo, a crise econômica levou a mudanças na jornada de trabalho. O país vai trabalhar agora, em média, 40 horas semanais. Uma hora a menos que na Alemanha, que lidera o ranking com 41.

    Os lusos não serão caso único. Espanha, que trabalha em média 37 horas, prepara-se também para imitar o exemplo germânico. Como? Abolindo almoços longos. Abolindo a "siesta" depois do almoço. Abolindo jantares tardios. Abolindo a possibilidade dos nativos se deitarem tarde e de acordarem tarde. Em suma, abolindo Espanha.

    Uma comissão parlamentar prepara-se para estudar todos esses "abusos" --os "abusos" que eu mais invejava em "nuestros hermanos"-- de forma a produzir uma legislação laboral que transforme os espanhóis em alemães.

    Meu Deus: haverá maior crime do que transformar um povo, qualquer povo, à imagem e semelhança da Alemanha?

    Amigos liberais, que olham com ternura para as minhas idiossincrasias conservadoras, dizem-me que não há alternativa: a Europa tem que trabalhar mais para produzir mais e ser mais competitiva a nível global.

    Curiosamente, eu não contesto a lógica do raciocínio. Apenas o que esse raciocínio diz sobre a nossa patética civilização.

    Sim, o progresso tecnológico cumpriu-se. Não se cumpriu a libertação humana que Lafargue imaginava. Com diferentes trajes e cenários, continuamos as bestas de carga iguais às que era possível contemplar em plena Revolução Industrial.

    2. Gosto de viver em cidades porque gosto de caminhar em cidades. Também aqui sou o anti-Rousseau por excelência. No seu "Devaneios do Caminhante Solitário", o filósofo confessa que existem poucos prazeres comparáveis a uma caminhada pelo campo. Subscrevo tudo, exceto o campo.

    Cidades. Carros que passam. Esse é o meu filme. E, por falar em filmes, haverá caminhada mais bela do que no filme"Paris", de Cédric Klapisch, que talvez explique as minhas paixões pela vadiagem urbana?

    O filme tem duas histórias paralelas. A primeira é a de um professor (o sempre magistral Fabrice Luchini) que se apaixona por uma aluna e, sem surpresas, é abandonado por ela. Um solitário angustiado que gosta de caminhar pelas ruas de Paris sem nunca se aperceber desse fato redentor: o fato de estar vivo e de poder caminhar por Paris.

    Pierre é o segundo personagem da segunda história. Doente, gravemente doente, ele regressa para a casa da irmã (Julliete Binoche, "mon amour") por não ter onde ficar até a hora de um transplante salvador.

    A irmã acolhe-o. E, no final, quando a hora chega, eles despedem-se por imposição de Pierre e o táxi parte pelas ruas de Paris. A caminho do hospital.

    É esse o momento em que o professor e Pierre se encontram. O primeiro, caminhante meditativo, perdido como sempre nas suas tristezas mundanas. E o segundo, que olha para ele através do vidro do carro, invejando o destino daquele pobre diabo. Invejando o luxo que é caminhar por Paris --sem hora, sem rumo. Sem cirurgia marcada.

    Não sei quantas vezes penso nessa sequência quando caminho por Lisboa com o peso dos meus pequenos dramas. Mas também reparo que há carros que passam por mim. E rostos que olham para mim. Não sei o que dizem. Não sei em que pensam.

    Mas suspeito que talvez um dia alguém passará por aquele pobre diabo, invejando a sorte que ele tem por simplesmente caminhar pela cidade.

    Dias de fúria

    VINICIUS TORRES FREIRE

    FOLHA DE SP - 29/10

    Com ou sem black blocs, reações enfurecidas a 'coisas do governo' tornam-se comuns em SP e no Rio



    DESDE A TARDE de domingo e até a noite de ontem, ônibus e caminhões são incendiados e o comércio é depredado, entre outras manifestações de violência e protestos num bairro em geral conservador e de pequena classe média da zona norte da cidade de São Paulo, a Vila Medeiros, próxima da Vila Maria um dia janista, caricatura do conservadorismo paulistano.

    O tumulto aparentemente se deve ou inicialmente se deveu à morte estúpida de um rapaz, morto por um policial militar, talvez por acidente.

    A descrição vai na voz passiva mesmo porque não se sabe bem quem comete os incêndios e depredações, muito parecidas com os tumultos que ocorrem desde junho, em especial com os tumultos que ocorrem desde setembro em cidades grandes.

    Antes de junho, a gente poderia comparar a irrupção de fúria a outros tumultos indignados contra violências da polícia, em geral mais comuns em bairros bem mais pobres, em geral mais comuns no Rio do que em São Paulo. Só que agora não.

    Um dos clichês que ficaram das manifestações de junho é que "a pauta dos protestos era difusa".

    Desde o arrefecimento das passeatas maciças, os protestos foram se tornando cada vez mais difusos, com pautas concentradas. Cada grupo de interesse, bairro, corporação ou qual fosse o fator agregador passou a sair às ruas. Em números menores, chamavam menos a atenção. Houve a impressão de arrefecimento, diluição, fim agônico de uma moda. Só que não.

    A atuação do grupo dos mascarados, ditos black blocs, aumentou a temperatura midiática e tumultuária de protestos de grupos quaisquer. Não se pode dizer se por imitação ou pelo fato de compartilharem da mesma fúria contra a ordem, há grupos de pessoas sem relação visível com black blocs que demonstram sua indignação sem mais: botando para quebrar.

    Parêntese: não temos uma palavra boa para o que se chama aqui de tumulto, entre outros motivos por não termos lá muita tradição de protestos de rua. Em inglês, temos "riot". Em francês "émeute". Ambos tratam de reações espontâneas e violentas a um abalo emocional coletivo.

    Não se trata de dizer que há uma epidemia furiosa, adesão geral ou simpatia aos tumultos, ou que nome se dê à coisa. No entanto, com violências e tudo mais, ainda não há repúdio amplo ao que passa nas ruas.

    Segundo pesquisa Datafolha publicada no domingo, desde junho está diminuindo o apoio aos "protestos" na cidade de São Paulo, mas o júri ainda não é decisivo. Pode ser que os transtornos à vida cotidiana, a insatisfação com violências e prejuízos expliquem a crescente desaprovação. Mas dois terços dos paulistanos ainda são "a favor" dos protestos. De quais protestos, não se sabe bem.

    Pode ser que tenha sobrado a memória dos dias simpáticos e em geral alegres das passeatas de junho, daí a resistente aprovação dos "protestos".

    Talvez. Pode ser que a paciência com uma ordem imóvel e estúpida tenha se esgotado. Algo se quebrou. Sem respostas visíveis de um Estado incompreensível e distante, "botar para quebrar" tenha se tornado atitude (mais ou menos) aceitável.

    Não, não se trata de economia, perda de renda, desemprego. Nada disso é capaz de explicar essa, digamos, variação de humores. Que pode temperar a eleição de 2014.

    Enem ! pato erra non chutes!José Simão



    FOLHA DE SP - 29/10

    Enem quer dizer Eu Não Escrevi Miojo! Um amigo me ligou todo contente: "Passei! Eu Não Escrevi Miojo!"



    Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E adorei o Roberto Carlos no "Cansástico": ele é a favor da biografia não autorizada, desde que autorizada! Rarará!

    E o Enem? Enem quer dizer Eu Não Escrevi Miojo! Um amigo me ligou todo contente: "Passei! Eu Não Escrevi Miojo!".

    E adorei o aviso a todos os candidatos: "Quem for fazer o Enem no chute, não faça como o Pato". E os barrados no Enem? Evangélica sem noção parou pra orar, perdeu a hora e ficou gritando no portão: "Abre em nome de Jesus! Abre em nome de Jesus!". Mas não era melhor gritar "Abra-te Sésamo"? Rarará!

    E o tema da redação: Lei Seca! Ou seja, bafômetro. Reprovados: Mano Menezes, Luciano Huck e Aécio Neves! Rarará!

    E o site Futirinhas revela o Enem dos jogadores. Sheik: foi expulso da sala após tentar dar um selinho no aplicador da prova. Ceni: chegou três dias antes da prova. Ganso: acertou uma questão e já ficou cobrando vaga na USP. Pato: respondeu tudo no chute e errou todas! Valdivia: fraturou a mão com o peso da prova e vai ficar 800 dias afastado. Roberto Dinamite: não pagou a taxa pra fazer a prova. E o Walter não foi porque era hora da feijoada! Rarará.

    E adorei a charge do Nani com o Obama no divã do psicanalista: "Ouço vozes!". Rarará. "Qual o seu problema, presidente Obama?" "Ouço vozes. Todas as vozes do mundo."

    E a charge do Aroeira com a ameaça da Merkel: "Se vocês continuarem me espionando, a gente invade a Polônia de novo!". Rarará. E a filosofia do Obama: quem espiona o que eu estou espionando é espionagem!

    E essa piada pronta do caso Alstom: "Procurador de São Paulo disse que não atendeu aos pedidos de investigação da Justiça suíça porque colocou em: pasta errada". TÓÓÓIM!

    E essa direto de Portugal: "Fusão da Portugal Telecom com Oi levará à extinção da PT". Só Portugal pra conseguir isso! Rarará!

    É mole? É mole, mas sobe!

    E como a redação do Enem foi o bafômetro, me lembrei da loira que foi parada pelo guarda: "Carteira Nacional de Habilitação". "Não tenho e nem sei o que é isso." "IPVA." "Não tenho e nem sei o que é isso." Aí o guarda abre a braguilha e bota o pingolim pra fora: "E isso, você sabe o que é?". "Ah, não! Bafômetro de novo!" Rarará.

    Nóis sofre, mas nóis goza.

    Vida e morte em Venaza

     - ARNALDO JABOR

    O Estado de S.Paulo - 29/10

    Estou em Veneza. Estava precisando mesmo de um pouco de arte, impregnado de todos os bodes do Brasil, pois sou esponja das notícias e dos fatos que elas escondem. Esse dias aqui têm sido um banho de purificação contra escândalos da Justiça, bandidos do PCC, balas perdidas, frases pomposas de ministros, mentiras de fisiológicos, ladrões de casaca, que envenenam minha função de comentarista.

    Mergulhei na espantosa beleza da cidade e nas obras da Renascença que atulham aquela antiga República do comércio entre o Oriente e Ocidente e bateu-me a verdade óbvia: a grande obra de arte só floresce onde há dinheiro.

    Sim, puros românticos, nos palácios dos Doges, nas igrejas bizantina-cristãs, nos tetos, portais, afrescos, em tudo jorram as encomendas da vaidade dos poderosos ou dos sacerdotes de Deus, que empresavam as oficinas de artesãos, comandadas por gênios como Tintoretto, Veronese, Ticiano. Fiquei dias dentro da Scuola Grande di San Rocco, na Academia, tudo.

    Depois eu fui ver a casa de Peggy Guggenheim, onde estão tesouros da arte moderna dos primeiros 40 anos do século 20. E, em seguida, fui ver a arte contemporânea na Bienal de Veneza. Assim, nos últimos dias eu vi a Renascença, o Modernismo e o "pós-modernismo", se esse nome ainda cabe.

    Foi um show de contrastes que me deu uma certeza: sem esperança não há arte. Mesmo nas obras de encomenda de duques e cardeais do século 16, feitas por empregados que podiam ir até em cana se não satisfizessem os poderosos, havia um fervor religioso ou meramente fabril, havia uma fé na beleza, nos ventos novos que humanizavam a figura. A genialidade de Tintoretto não buscava mais a representação estática de uma imobilidade submissa, mas a esperança de captar algum momento de agonia ou de triunfo.

    Fui também à Fundação da Peggy Guggenheim, em sua casa à beira do Canal. Lá estão Picasso, Matisse, Kandinsky, Magritte, Pollock, tantos... E é deslumbrante ver o entusiasmo da nova arte que se desenhava no início do século 20, a arte como a militância por uma beleza construtiva, o olho humano sendo enriquecido, na "esperança" de que a modernidade se aperfeiçoasse, unida às grandes utopias do século 20. Os artistas modernos queriam repensar o mundo nas suas formas; e mesmo em um conceito deprimido, havia na atitude um desejo de mudança para algo melhor.

    Depois, fui à Bienal de Veneza. A sensação dominante é a de que há qualquer coisa "faltando" na arte contemporânea. Há uma ausência, uma "hiância", como escreveu Mallarmé, um grande vazio em museus e bienais. Os pavilhões repetem os códigos e repertórios: terra arrasada, materiais brutos e sujos, desarmonia, assimetria, uma busca deliberada da feiura, uma clara vergonha de ser "arte".

    A fruição poética é impedida como se o prazer fosse uma coisa reacionária, ignorando o "mal do mundo", que tem de ser esfregado na cara do espectador para que ele não esqueça o horror social e político que nos assola. Só que o mundo mudou muito. Depois do 11 de setembro, principalmente, ficou nítido que o mundo é hoje pior que qualquer representação deprimida. A destruição que vemos na vida, o império da sordidez mercantil, a ignorância no poder, o fanatismo do terror, a boçalidade da indústria cultural, o beco sem saída do racismo e do fundamentalismo, a destruição ambiental, em suma, toda a tempestade de bosta que nos ronda, está muito além de qualquer "denúncia" artística; o mal é tão profundo, tão difuso, que denunciá-lo mecanicamente, destruindo a própria arte como uma "prova do crime" virou uma ociosa cumplicidade. Em geral, é uma "arte engajada" no desespero.

    A Bienal de Veneza (furada por alguns talentos individuais, claro: Paul McCarthy, Ai Weiwei, Nicola Constantino, maravilhosa argentina, ou Pawel Althamer) virou um parque temático de deprimidos, um muro de lamentações inúteis. Não adianta mais "chocar" ninguém, pois nada é mais chocante que a miséria global e a estupidez universal do inferno de hoje. O absurdismo do pós-guerra, nos anos 50, a arte pop, todo o desespero crítico ou paródico tinha um claro alvo construtivo em sua militância. Havia esperança na angústia. Hoje, sobrou apenas a psicose como bandeira, a melancolia como "denúncia" de uma vida sem solução. Lembro-me de uma frase de um crítico americano que disse que "antigamente os artistas de vanguarda queriam chocar a classe média; hoje a classe media é que choca os artistas". É claro que a arte tem de acusar o golpe do tempo atual. Mas não pode ser uma vitimização simplista, um desespero oportunista. Nada que haja na Bienal nos choca mais que uma explosão da discotecas onde morrem 300 jovens, nada é pior que a África ou a lama das favelas e periferias. Nada. E, aí, vemos a verdade: grande parte da arte contemporânea está aquém da realidade. É muito óbvio o uso do santo nome de Marcel Duchamp em vão para justificar uma distopia fácil. Que performance ou instalação será mais contundente que a destruição de Nova York, do WTC? Que cadáver exposto dentro de garrafas ou cavalos mortos ou ruínas são mais assustadoras que a eternidade da guerra Israel-Árabe ou do inferno da Síria?

    Nunca esqueço da frase de Stravinski: "A obra de arte deve ser exaltante". Não se trata de uma cegueira complacente com o erro, mas uma ação exaltante da vida, da existência humana, exaltante de algo que está se perdendo. Muitos artistas se acham "militantes", mas estão abrindo mão da reflexão na arte para o eixo do mal capitalista. Críticos e curadores seguem de cabeça baixa, sem coragem de denunciar oportunismos, por medo de serem chamados de caretas ou reacionários. Será que o "novo" não pode ser um "belo" que denuncie, com sua luz, a injusta vida? Um bom exemplo é a obra de um gênio grafiteiro como Basquiat.

    Em matéria de eventos de destruição esquemática do capitalismo, ninguém é melhor artista que os homens-bomba.

    Homens e animais revistados

    s - JOÃO PEREIRA COUTINHO

    FOLHA DE SP - 29/10

    Dissecar animais em praça pública, como aconteceu no passado, seria impensável nos dias de hoje. Ainda bem



    Recebi centenas de e-mails na semana passada por causa de um texto sobre os "direitos dos animais" ("Homens e animais", 22/10). Escuso de esclarecer que a maioria não foi simpática.

    Com verdadeiro espírito humanista, muitos dos defensores dos animais desejaram-me doenças que eu, um hipocondríaco confesso, nem sabia que existiam. Sem falar das inevitáveis ameaças de morte, sempre antecedidas de tortura (lenta).

    Agradeço a gentileza e espero ansiosamente pelo dia em que o mundo será governado pelo espírito tolerante dessa gente. Para os restantes leitores, que insistiram em seis perguntas recorrentes (e civilizadas), aqui vão respostas civilizadas:

    1 - Se é possível fazer pesquisa sem animais, como justificar o uso dos bichos?

    Infelizmente, não é possível fazer todo o tipo de pesquisas sem usar animais. Verdade que a ciência evoluiu imenso e a pesquisa "in vitro" (usando células em laboratório, algumas das quais humanas) e "in silico" (com computadores) tem ocupado as pesquisas "in vivo". Mas, para certas patologias, e sobretudo para se obterem respostas precisas a farmacologias várias, é necessário o uso de organismos vivos com certo grau de complexidade (o que exclui, por exemplo, moscas ou lesmas). Não usar animais implicaria, em muitos casos, usar seres humanos --ou, em alternativa, frear o progresso científico.

    2 - Os animais dos laboratórios são tratados cruelmente.

    Uma absoluta falácia. Os animais domésticos são, muitas vezes, tratados cruelmente. Animais de laboratório são, como o nome indica, seres vivos criados em ambiente controlado (temperatura, som, conforto, comida etc.) de forma a infligir o menor sofrimento possível. É claro que algumas experiências implicam dor ou desconforto. Mas o uso de animais em laboratório está submetido a legislação rigorosa, na qual os "limites de severidade" são cada vez mais apertados.

    Dissecar animais em praça pública, como aconteceu no passado para conhecer o sistema circulatório (um feito que fez a medicina avançar vários séculos), seria impensável nos dias de hoje. E ainda bem.

    3 - É legítimo usar animais para testar cremes e batons?

    Não é legítimo e deve ser severamente punido. Na Europa, já é desde março deste ano. Mas a discussão do artigo lidava com pesquisa médica, não estética. Confundir ambas revela ignorância ou má-fé.

    4 - Todos os ativistas dos "direitos dos animais" estão errados?

    Pelo contrário: a ciência deve muito aos ativistas razoáveis dos "direitos dos animais", que contribuíram para que a ciência "humanizasse" o seu trato com os bichos.

    Os defensores razoáveis dos "direitos dos animais" legaram à ciência o desafio dos "três R's": "to reduce" (reduzir, sempre que possível, o número de animais em laboratório); "to replace" (substituir, sempre que possível, o uso de animais por outra alternativa --estudo de células ou simulação computacional, por exemplo); e "to refine" (refinar, sempre que possível, a forma como a pesquisa é feita --uso de anestésicos e analgésicos quando o desconforto é previsto; criação de um ambiente confortável e estimulante para os animais etc.). O diálogo entre cientistas e "eticistas" deve por isso continuar.

    5 - Você não gosta de animais e por isso defende o uso deles pela ciência?

    Não pretendo tornar a discussão pessoal. Mas gosto de animais, tenho animais e até já escrevi sobre todas as lições "filosóficas" que aprendi com o meu gato.

    6 - Todas as vidas são sagradas e nenhum animal deve ser sacrificado para nosso benefício.

    Quem parte dessa premissa encerra o debate mesmo antes dele começar. Infelizmente, não tenho essas certezas --e, como onívoro, é evidente que continuo a usar os animais como fonte principal de alimentação. Sobre a "sacralidade" da vida, confesso uma certa paralisia agônica com certos cálculos utilitaristas mesmo em relação à vida humana (para mim, a mais importante).

    Se, por hipótese, fosse possível salvar 10 milhões de pessoas gravemente doentes pelo sacrifício em laboratório de dez indivíduos, valeria a pena matar esses dez inocentes?

    Instintivamente, direi que não e ficarei feliz com as minhas vaidades deontológicas. Pensando friamente, não sei se diria não --e que Deus, ou o sr. Kant, me perdoe. Porém, se a vida de 10 milhões de pessoas dependesse da vida do meu gato, não haveria hesitação alguma.

    Memórias

    SCHWARTSMAN

    SÃO PAULO - Roberto Carlos, o rei, que bloqueou na Justiça a circulação de um livro sobre a sua vida, agora diz que é a favor de biografias não autorizadas e informa que está escrevendo suas memórias. Qual das duas obras é mais confiável?

    Obviamente, essa não é uma questão que possa ser respondida "a priori", mas temos boas razões para desconfiar das autobiografias. E não porque candidatos a ídolo sejam todos mentirosos compulsivos. O problema é que nossas memórias, embora nos pareçam vívidas a ponto de as julgarmos uma espécie de fotografia do passado, são mais bem descritas como uma fantasia de nossas psiques.

    O que o cérebro guarda são registros hipertaquigráficos a partir dos quais nossa mente reconstrói o episódio cada vez que nos lembramos dele. Esse processo é distorcido pelo que estamos sentindo ou pensando quando acionamos a memória. Algumas lembranças ficam estáveis por décadas, outras são sutilmente modificadas e há as que sofrem transformações profundas. Elas são indistinguíveis em nossas cabeças.

    Essas mudanças não ocorrem ao sabor do acaso. A memória não evoluiu para promover a verdade, mas para nos fazer viver vidas melhores. Ela não deve ser uma alucinação tão tresloucada que nos leve a cometer erros fatais, mas, se as distorções forem no sentido de nos tornar mais seguros e confiantes, são mais do que bem-vindas. Nós nos lembramos muito mais daquilo com o que podemos viver do que daquilo que efetivamente vivemos.

    A notável exceção são as pessoas clinicamente deprimidas, que fazem uma avaliação surpreendentemente realistas de si mesmas. Não se sabe se é a depressão que leva à percepção mais acurada ou se é a visão mais realista que provoca os pensamentos deprimentes. De todo modo, o excesso de realismo não é muito saudável.

    Se você é um leitor em busca de verdades, só compre autobiografias de depressivos notórios

    domingo, 27 de outubro de 2013

    Coitado do homem - FABRÍCIO CARPINEJAR



    ZERO HORA - 27/10

    Um dos impasses masculinos no casamento é conciliar a porção macho protetor e a porção criança feliz.

    Porque sua mulher ama quando você é adulto, seguro, firme, decidido, capaz de resolver crises e contas, dar colo e acalmar, dizer que tudo vai dar certo com a voz resoluta de radialista.

    A mulher ama e espera ser amada desse modo. Com alguém disposto a oferecer segurança e sentido, com o peito maior do que o travesseiro, para aninhar e resguardar cheiros e futuro. Com um homem que acaricie seus cabelos em silêncio, sem que ela descubra o que ele está pensando.

    Mas, se o homem está feliz ao lado da mulher, será uma criança. Eis o grande problema da dinâmica de casal: se a mulher faz o homem feliz, ele será uma criança, daí é ela que ficará descontente. Parece que precisa deixar o homem preocupado para ser feliz, mesmo que resulte na tristeza dele.

    Homem bom para a ala das noivas é melancólico, aborrecido, casmurro, fortaleza enigmática, caixa com senha numérica e alfabética.

    Já um homem realizado é livre como um campo de futebol num dia ensolarado. Muda seu riso, seu olhar brilha, seu rosto se amplia e se torna uma matraca. Transforma-se num bobo carente, disposto a fazer troça de qualquer assunto. Não leva coisa alguma a sério. Debochado, hiperativo, como se estivesse arremessando aviãozinho ainda do fundo da sala de aula. Vai apertar, morder, empurrar, beliscar, incomodar, perturbar, série de movimentos proibitivos da fantasia feminina.

    Nos momentos de euforia do namoro, reproduz a descontração com seus amigos: em especial na pelada e no boteco. Um churrasco entre barbados exemplifica sua felicidade: os participantes só vão confidenciar bobagens e besteiras sobre sexo e carreira. A frequência estará desembaraçada, ingênua, afeita a piadas, gafes e fraquezas cômicas.

    Homem brinca de brigar, mulher quando briga não gosta de brincar, entende a diferença? É um cacoete ancestral, egresso do jardim da infância. No recreio, o homem fingia guerra com os colegas para mostrar apego. Por sua vez, a mulher se divertia em montar casinha, em estabelecer ordem e hierarquia nas emoções e afetos.

    A questão é que a mulher não ama quando seu marido se infantiliza, porém é quando ele está mais à vontade. É quando ele verdadeiramente está amando. A mulher é seduzida pela imagem do homem tenso e guardião, e não suporta o menino enfeitiçado pelo encantamento da relação.

    Na realidade, a mulher se irrita quando sua companhia assume ares de palhaço, ou de louco. Julga comportamentos hostis, que não inspiram nenhuma confiança. Despreza essas demonstrações circenses de disputa. Tente derrubá-la na cama fora do clima sexual, que ela ficará puta da vida.

    Odeia quando seu marido se mantém hipnotizado assistindo uma partida da Série C, ou na medida em que inventa de jogar playstation e perde a hora ou ainda começa a jogar bolinha dentro de casa e quebra objetos. Odeia sua birra e manha, seu timbre de desenho animado, suas miradas tristonhas de chantagem.

    A mulher jamais vai nos entender. Portanto, você tem que alternar com sabedoria os dois momentos. Este é o ponto delicado: encontrar a medida. Ser os dois ao mesmo tempo sempre, e nunca exageradamente.

    Nem ser demais um, nem deixar de ser o outro.

    Nem ser pai demais da esposa, nem ser seu filho