"Cala a boca, menino!" Essa frase já foi usada com regularidade por muitos
pais há algum tempo. Quando a criança interrompia uma conversa de adultos com
insistência, quando falava o que não deveria falar, quando o momento exigia
silêncio, por exemplo, a frase era dita com tranquilidade pelos adultos.
O mais interessante é que a expressão não era considerada agressiva, tampouco
humilhante, nem pelos adultos nem pela própria criança. Era como dizer "Fica
quieta, menina!" de modo mais incisivo, quando a situação assim o exigia.
Com o passar do tempo, os conceitos de educação dos filhos mudaram, a maneira
de tratar a criança mudou e os adultos passaram a buscar uma convivência com os
filhos que fosse mais respeitosa. Deixamos, pouco a pouco, de tratar as crianças
como se elas não tivessem sentimentos reativos à maneira como os adultos se
relacionavam com ela.
Essas mudanças provocaram transformações na formação da criança: ela passou a
ser mais questionadora, a ter mais presença e a ser reconhecida como integrante
do grupo familiar, com direitos, e não apenas com o dever de obedecer aos pais.
Surgiu, então, uma frase: "Cala a boca já morreu".
A transição de uma fase à outra não ocorreu sem percalços, é claro. Muitos
pais se perderam, as crianças passaram a ser o centro da família e tornaram-se
ruidosas, exigentes, autoritárias até. Foi então que passou a circular no mundo
adulto a ideia de que as crianças não têm limites e esse conceito pegou.
O mundo dos adultos mudou concomitantemente: a juventude deixou de ser uma
etapa da vida e passou a ser um estilo de viver e isso levou o adulto a viver
mais para si e a ter grandes dificuldades de renunciar ao que considera
importante em sua vida. A busca da felicidade transformou-se em meta de vida e
isso fez com que problemas e dificuldades que surgiam no trajeto da vida fossem
ignorados ou contornados para que desaparecessem.
Como consequência dessa nova forma de estar no mundo, tanto de crianças
quanto de adultos, surgiram contradições. Os adultos querem tranquilidade e
filhos ao mesmo tempo. As crianças querem ser atendidas e, hiperestimuladas,
tornam-se agitadas e fazem os pais perderem a paciência em curto espaço de
tempo. Como conciliar a convivência de expectativas tão distintas?
O avanço tecnológico nos permitiu ressuscitar o "Cala a boca, menino!". Por
onde andamos, vemos crianças entretidas com tablets, aparelhos celulares,
reprodutores de vídeos portáteis. Em restaurantes, em carros, em hotéis, em
praias, vemos crianças hipnotizadas com as traquitanas tecnológicas.
A televisão já ocupou esse lugar, tanto que foi chamada de "babá eletrônica".
Mas ela tem restrições: só pode ser usada em casa. Agora, esses outros recursos
possibilitam que as crianças deixem de perturbar os pais em qualquer lugar.
A tecnologia e a internet e suas amplas possibilidades fazem parte da vida de
nossas crianças e são recursos que podem ser usados de modo rico e favorável a
elas. Mas, dessa maneira que as temos usado, é apenas mais um estímulo que se
junta a tantos outros.
É ingenuidade pensar que a criança se acalma com seu uso. Ela se agita mais
ainda sem ter alvo certo, sem aprender a dirigir sua energia para o que precisa,
torna-se ainda mais dispersa.
O "Cala a boca, menina!" de hoje é bem mais sofisticado e sedutor, mas
continua a ser um "cala boca.
Rosely Sayão
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