As instituições, da mesma forma que as pessoas, cometem erros. E é salutar que – quando possível – venham a público e peçam desculpas pelas faltas cometidas. Mas o caso da Globo é estranho: o jornal da família Marinho acaba de publicar editorial reconhecendo que o apoio ao golpe de 64 “foi um erro”. O reconhecimento, diz o próprio jornal, vem após as manifestações de junho, em que as ruas do Brasil foram tomadas por gente que gritava palavras de ordem; e entre elas uma das mais ouvidas era: “a verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura”.
Ou seja, a Globo levou quase 50 anos (!) para reconhecer o erro. E o fez não a partir de uma avaliação honesta, mas sob o impacto de ter virado alvo do povo.
As organizações Globo não estiveram sozinhas no apoio à ditadura. Isso é fato. E o editorial se escora malandramente nesse fato para criar uma justificativa, na base do “eu fiz, mas todos fizemos”. Quase todos os jornais brasileiros, isso é fato também, clamaram pela derrubada do presidente constitucional João Goulart, em 1964. Eram todos (e seguem a ser) parte do PIG – Partido da Imprensa Golpista. Alguns jornais acreditavam, como diz o próprio editorial de “O Globo”, que os militares vinham para uma intervenção “cirúrgica”, e que logo a institucionalidade estaria a salvo, com eleições retomadas em 1966. Mas reparem: o “Estadão” em São Paulo, por exemplo, conservador até a medula, não levou 50 anos pra pedir desculpas. Quando percebeu que a ditadura viera pra ficar, a família Mesquita enfrentou os militares e pagou o preço por isso. O jornal sofreu censura prévia, jornalistas e direção foram ameaçados, e passaram a lutar contra o regime que haviam ajudado a instaurar.
“O Globo”, não. Aliás, o editorial é importante pelo que diz, mas é importante também pelo que esconde. O apoio à ditadura, no caso da Globo, não foi apenas uma parceria ideológica – num momento em que o mundo estava cindido pela Guerra Fria. Não. “O Globo” – e “a” Globo, sobretudo – colheu dividendos empresariais por ter mantido fidelidade canina aos militares. A família Mesquita do “Estadão” terminou a ditadura com menos poder do que tinha em 64. “O Globo” – e “a” Globo – terminou com muito mais força. E com mais dinheiro no bolso.
Os militares ofereceram à Globo a estrutura do Estado para a criação de uma rede efetivamente nacional (daí, por exemplo, o nome do “Jornal Nacional”). A história da Globo é inseparável da ditadura. É a história de um quase monopólio midiático construído às sombras de uma relação incestuosa com os milicos. E isso não há pedido de desculpas que resolva.
Roberto Marinho e a Globo enriqueceram sob a ditadura. E soa estranho que 50 anos depois do golpe de 64, surja este reconhecimento envergonhado do erro cometido. Aliás, pedido de desculpas propriamente não há ali. Não foi um pedido de desculpas… Mas um recado.
Na verdade, a Globo piscou. O reconhecimento envergonhado do “erro” em 64 (com “apenas” meio século de distância) é um sinal: as “Organizações Globo” estão preocupadas com certas nuvens que se acumulam no horizonte…
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