Um dia alguém ainda vai fazer um levantamento --mereceria até um poema
épico-- dos feitos heroicos de adolescentes com tendências obsessivas
trancafiados dentro do próprio quarto.
Na Era de Ouro dos Micros, nos anos
1980, quando foi definida muita coisa que ressoa até hoje, boa parte dos títulos
era produzida por alguma dessas criaturas adoráveis.
Richard Garriott programou "Akalabeth" (1980) sozinho, no conforto do lar
--foi a semente da franquia "Ultima", essencial para o desenvolvimento do CRPG.
"Karateka" (1984) foi inteiramente produzido por Jordan Mechner, então apenas um
universitário.
Recentemente ele reuniu em livros os diários de criação do game e de seu jogo
seguinte, também produto exclusivo dos próprios esforços: "Prince of Persia"
(1989). Há dezenas de outros exemplos.
Naquela época os games ainda engatinhavam e as possibilidades em termos de
design --de gêneros a mecânicas-- pareciam tão infinitas e estonteantes quanto
as limitações de hardware. Ninguém sabia o que dava certo ou não, a ausência de
qualquer orçamento permitia o risco, então se tentava de tudo. E disso vieram
muitas surpresas.
Com a profissionalização da área, que se tornou uma das mais lucrativas, hoje
a ordem do dia são orçamentos milionários, equipes de produção com membros
contados às centenas e, seguindo a cartilha dos blockbusters, poucos riscos e
nenhuma inovação mais radical.
São poucos os jogos que escapam a essa lógica, mesmo entre produções de
pequenos estúdios. E, comercialmente, faz sentido ser assim.
Uma das soluções para resgatar o senso de urgência e a criatividade do
passado amador é uma velha e eficiente conhecida de outras linguagens criativas,
como o cinema e a literatura: o uso deliberado de limites artificiais.
E foi com isso em mente que em 2002 Geoff Howland criou o Ludum Dare
(ludumdare.com), uma competição internacional de desenvolvimento acelerado de
games que acontece três vezes ao ano.
Pelas regras do evento, cada participante (sempre individual) tem 48 horas
para criar um jogo do zero, dentro do tema especificado. Esse tema, que já
variou de "minimalismo" a "interação indireta", passando por "bode", é revelado
apenas no primeiro dia.
A participação é aberta a qualquer pessoa, o que atrai de game designers
veteranos às criaturas mencionadas no início da coluna. O tema único --na última
edição, "dez segundos"-- e o tempo escasso implodem qualquer constrangimento, e
os inscritos carbonizam sinapses para criar seus jogos.
Não há prêmios em dinheiro no Ludum Dare: a satisfação é criar algo único e
compartilhar isso com o mundo --em todos os sentidos, pois o código-fonte também
deve ser posto à disposição (ainda que os autores mantenham todos os direitos
sobre suas criações).
Alguns dos minijogos criados para o evento serviram como protótipos para
games mais substanciais. Um deles é "Mew-Genics", o aguardado novo jogo do Team
Meat, responsável por "Super Meat Boy" (2010) --estrelado pelo melhor personagem
sem pele jamais inventado nesse universo.
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