sábado, 24 de agosto de 2013

O buraco do Zé

Ó, descobri um lugar que tem capote e perua. Primeira! Vamos lá sábado?” “Onde é?” “Sítio dos Pintos.” Mês passado, foi uma costela de boi qu’ele descobriu em Aldeia. Antes, uma buchada na Bomba do Hemetério. Todo mês tem novidade. Ele descobre e telefona. É cada buraco! Mas sempre da melhor qualidade. Simples. Mas boa cozinha. E limpa. Primeira!
Do alto dos seus 81 bem vividos anos – “talvez melhor seria dizer ‘debaixo’ em vez de ‘do alto’”, como ele próprio diz no prefácio do meu livro que será lançado em outubro –, Zé Cláudio tem apetite de menino. Mas come sem voracidade. Devagar. E sempre. Todo mundo acaba. Ele continua. E vai longe. O paladar atávico veio com ele de Ipojuca. Menino, o pai, comerciante, vinha fazer compras no Recife; ele, junto. Carne de sol e salpresa no Gregório, galinha de cabidela no Buraco de Otília. Na estrada, já vinha pensando.
Zé, como eu, tem suas exigências. Pra sentar, pode ser tamborete ou, até, grade de cerveja; agora, garçom, cozinheiro, cozinha e panela têm que ser limpos. (Folclore de sujeira? Tô fora!) Não que a gente não goste de lugar bacana. Gosta. Não prefere, mas gosta. Como gosta de caviar. Faisão (faisandé, claro), no dia que a gente comer, vai gostar. Mas cada qual tem sua hora. E companhia. Com faisão, vinho. Com buchada, uma bicada de cana antes e uma cervejinha durante.
Até dois, três anos atrás, eu caminhava com um grupo grande, chegávamos a 20. Só macho, para contrariedade das mulheres, que telefonavam para os maridos várias vezes durante a caminhada e após, quando a gente já tava num boteco. “Esse negócio vai acabar a que horas?” “Tá lembrado do jantar na casa de fulana?” “Hoje tem o aniversário de sua neta.” (Não sei por que netos sempre fazem aniversário sábado à tarde; quer dizer, aquela dormidinha depois do almoço, nem pensar.)
As caminhadas tinham destino: um boteco. Longe. Até pra Olinda e Várzea a gente foi. Andando. Saindo do Espinheiro. Na conta do colesterol, chegávamos com créditos. Nada de lugar grã-fino. Contava ponto quem descobrisse um buraco que ninguém conhecia. Nem ouvido falar, ponto dobrado. “Quem já foi ao Recanto do Láu?” – desafiou Clodô (Clodoaldo Torres). “Pouco antes da Guabiraba, da Macaxeira pra lá, na margem da BR. O melhor charque do Recife.” E era. Viramos fregueses.
Mercados públicos, todos. Bolinho de bacalhau no Bragantino, na Encruzilhada, rabada da Cláudia, na Madalena, patinho do Roberto, na Boa Vista, sarapatel em Casa Amarela. Só nos demos mal em dois mercados: São José e Afogados.
Esta foi uma das melhores: Plínio Duque ouviu falar de uma peixada em Itamaracá. Alugamos uma van e fomos lá conferir. Um bando de marmanjos cantando quiném menino quando vai pra piquenique. A van parou na estrada, a uns seis quilômetros do destino. Descemos e caminhamos mais de uma hora. Sede de beduínos delirando por uma cervejinha estupidamente gelada. Baixamos na peixada. Uma barraca de beira de praia. Cerveja bunda de foca. Serviço de primeira. Peixinho frito na hora, com óleo novo, e peixada, o pirão no ponto, foi só esmagar a malagueta com o caldo do peixe pra fazer o molho. Maravilha! E, nesse dia, as mulheres não ligaram. A ilha tava sem sinal de celular. Como diziam os ingleses antigamente: “o continente está sem comunicação”.
Sábado passado, Zé Maria, Maurício e Marcos Arraes farraparam. Fui só com Zé Cláudio. A costela de Aldeia servia quatro, mas dava pra seis tranquilamente. Trouxe-a numa quentinha. Hoje, vai pro feijão aqui em casa, com tudo mais que o feijão tem direito. Os farrapeiros da semana passada já confirmaram.
A farra promote
 
Joca Souza Leão

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