domingo, 17 de novembro de 2013

Extratos de "Multiplas escolhas"Lya Luft



     


O cenário é uma casa,
Cabana ou castelo.
Alguns manequins de plástico
são os atores:
Soldados rei, servos
- e alguém que já morreu.
Portas abrem ou fecham
Num longo corredor,
Para eu inventar objetos
E falas.
Porque teatro é mentira,
Posso mudar tudo:
Criar árvores no mar,
Pássaros e trilhas
que se entrecruzam
Incomunicáveis.
(Mas por cima,
Como estrelas,
eu vou botar
Palavras.)

A realidade é que família não é para “ser feliz”: é para lutar juntos, ou uns contra os outros; para preparar para futuros embates e decisões positivas; formar boas lembranças, ser base de projetos, dar força para guerras particulares que virão.
Todas as nossas atitudes são determinantes, também as mais escondidas. Nem sempre obedecemos a mitos ou enganos, mas cumprimos desejos legítimos e sonhos possíveis, como o de saciar as nossas grandes fomes.
As fomes que nos movem são a mola que leva nossa mão à maçaneta da próxima porta, atrás da qual vamos desenhar a casa da vida. É uma construção que vai se fazendo a posteriori após esse nosso gesto. Além de cada porta está no começo um vazio que temos de preencher com escolhas: nesse momento erguem-se paredes, e vamos pegando as tintas, os móveis, as falas, as ações, o curso de toda a nossa história.
Quero expandir o conceito de fome, que é o que impulsiona o sonho: o que interessa, o cerne, o caroço, o áspero e pesado material de construção de vida, corta nossa pele, lasca nossa alma, dobra nossos joelhos.
Não há receitas, neste universo de receitas até para ser feliz em dez lições a preços módicos; não há facilitadores, ainda que a gente diminua o nariz, preencha fendas, remova manchas, entorte a alma.
Há quem reclame: os policiais deviam ser menos brutais. Deviam, ao menos cuidar do lugar onde vão atingir os facínoras: “Quem sabe um tiro no braço ou no pé?” Tive de reler a notícia: estão brincando conosco? Imaginei o pobre policial com revolverzinho velho, mirando para o bandidão com fuzil de última geração e carrão importado e pedindo, licença, moço, vou dar só um tirinho no pé.
O banditismo floresceu por falta de autoridade e ordem, mas receio que agora qualquer rigor seja objeto de clamor dos defensores dos direitos da bandidagem, que deviam era cuidar das vítimas. Seria preciso conseguir com a máxima urgência leis atualizadas e firmes, incluindo a responsabilização por seus crimes de malfeitores de dezesseis anos ou menos, frequentemente verdadeiros monstros morais. E que não lhes permitissem, não importa a idade, saírem tão depressa das prisões: a quase totalidade volta a cometer seus crimes, – e um de meus, teus filhos, pode ser a próxima vítima.
A vida é uma longa construção: em geral a enxergamos como deterioração. Não conseguimos apreciar o outro lado, que é o acúmulo, experiência, serenidade, mínima sabedoria, mais tempo, quem sabe mais bondade. Construção de emoções positivas, com porões de tristezas e um sótão de decepções, mas a sala e os quartos arejados, com portas que podemos abrir para que se revele o que ainda virá em seguida e vai se desdobrar.
Isso é o que a “a gente decide”.
Fatalidades à parte, somos senhores de algumas cenas do espetáculo chamado vida, podemos modificar algumas falas, interferir no roteiro, escolher o personagem que somos e com quem desejamos contracenar. Tudo isso, ate certo ponto, pois as circunstâncias, a família de origem, as opções posteriores até o lugar onde vivemos têm seu peso, e não é pequeno.
Com tantas ilusões infantis, que arrastamos maturidade afora, não é fácil entender que não é preciso escalar o Himalaia intelectual ou social, ser uma pessoa famosa, um homem poderoso ou uma mulher deslumbrante para que a vida tenha sentido e se atinja um grau de harmonia, que chamo de felicidade. Encontrar o contentamento não tem a ver com carteiras, cartões, medidas e pele lisa, liderança óbvia ou alta competitividade.
Criar não está limitado aos artistas: cada um de nós cria sua hora e sua honra, seu dia e sua existência.
A cada dia de cada vida, realizamos um trabalho a quatro mãos: nós e o velho amigo-inimigo chamado destino, abrindo e povoando um espaço que a cada gesto e pensamento nosso se expande e se ilumina, ou se apaga na neblina dos desejos inúteis.
Essa é a nossa múltipla escolha.
Simples assim, complicado assim

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