ZERO HORA - 23/11
Com
frequência encontramos alguém querendo ser o que não é, tentando não ser quem
é
Ainda estudante, ouvi de Jamil Abuchaim, psicanalista radicado
em Buenos Aires: “Trabalho não cansa, conflito cansa. Recupera-se de uma jornada
longa ou pesada com algumas horas de repouso. Fadiga persistente é outra coisa.
Quem não gosta do que faz cansa antes de iniciar”.
No trabalho clínico, vejo
que o conflito desgasta, torna pessoas vulneráveis a doenças. Ele se espalha nos
relacionamentos, na família, no trabalho, na escola, no lazer, em tudo! Mas que
conflito é esse? Com frequência encontramos alguém querendo ser o que não é,
tentando não ser quem é. Não é raro nem sabermos quem somos, o que
queremos!
A Bíblia conta que Jacob engana o pai cego dizendo ser Esaú, seu
irmão mais velho, para receber a bênção que o pai reserva ao primogênito. Vive
22 anos com a bênção que não lhe pertence. Ameaçado de ser morto por Esaú,
angustiado por manter uma bênção que não é sua, devolve-a. Em sonho, luta contra
um desconhecido e vence (o que ele quis ser e não era?), muda de nome,
aceita-se. Pena que Freud só surgiu e fez suas descobertas muito mais tarde.
Suas técnicas ajudariam Jacob a aceitar quem era e a primogenitura do irmão, com
menos dor e risco.
Se já vemos esse sofrimento desde os tempos bíblicos,
também hoje, na modernidade, instituições podem passar por conflitos de
identidade. Isso não ocorre só com pessoas.
O livro Lições de Gestão da
Clínica Mayo revela o que fez uma empresa de saúde manter-se viva e qualificada.
A Mayo tem mais de cem anos. É a marca mais forte em assistência nos Estados
Unidos. Sempre combinou fidelidade às raízes com busca de qualidade. Jamais
abandonou os princípios dos fundadores. Para manter sua máxima, “as necessidades
dos pacientes em primeiro lugar”, procura entender as mudanças no cenário da
saúde e dos negócios e incorpora o que há de melhor. Um dos primeiros saltos de
qualidade foi a queda na mortalidade cirúrgica, quando adotou a lavagem das mãos
entre um procedimento e outro. Houve fase em que buscou consultorias da Boeing e
da Toyota para aprimorar processos no atendimento. Não quis se transformar em
Boeing ou Toyota. Buscou soluções para ser uma Mayo melhor.
Pessoas se
beneficiam de saber o que são e preservar a identidade. Psicoterapia pode ajudar
a se conhecer e aceitar, integrar-se, resolver conflitos. A fórmula da
sabedoria, de Sidarta, também pode: meditar, jejuar, esperar. Isso não significa
acomodar-se. É natural mudar para melhor, adaptar-se a novas realidades. Não
querer ser quem se é faz mal à saúde. Ser fiel às próprias raízes proporciona
vida melhor, mais longa e harmoniosa
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