SCHWARTSMAN
SÃO
PAULO - Roberto Carlos, o rei, que bloqueou na Justiça a circulação de um livro
sobre a sua vida, agora diz que é a favor de biografias não autorizadas e
informa que está escrevendo suas memórias. Qual das duas obras é mais
confiável?
Obviamente, essa não é uma questão que possa ser respondida "a
priori", mas temos boas razões para desconfiar das autobiografias. E não porque
candidatos a ídolo sejam todos mentirosos compulsivos. O problema é que nossas
memórias, embora nos pareçam vívidas a ponto de as julgarmos uma espécie de
fotografia do passado, são mais bem descritas como uma fantasia de nossas
psiques.
O que o cérebro guarda são registros hipertaquigráficos a partir
dos quais nossa mente reconstrói o episódio cada vez que nos lembramos dele.
Esse processo é distorcido pelo que estamos sentindo ou pensando quando
acionamos a memória. Algumas lembranças ficam estáveis por décadas, outras são
sutilmente modificadas e há as que sofrem transformações profundas. Elas são
indistinguíveis em nossas cabeças.
Essas mudanças não ocorrem ao sabor do
acaso. A memória não evoluiu para promover a verdade, mas para nos fazer viver
vidas melhores. Ela não deve ser uma alucinação tão tresloucada que nos leve a
cometer erros fatais, mas, se as distorções forem no sentido de nos tornar mais
seguros e confiantes, são mais do que bem-vindas. Nós nos lembramos muito mais
daquilo com o que podemos viver do que daquilo que efetivamente
vivemos.
A notável exceção são as pessoas clinicamente deprimidas, que
fazem uma avaliação surpreendentemente realistas de si mesmas. Não se sabe se é
a depressão que leva à percepção mais acurada ou se é a visão mais realista que
provoca os pensamentos deprimentes. De todo modo, o excesso de realismo não é
muito saudável.
Se você é um leitor em busca de verdades, só compre
autobiografias de depressivos notórios
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