Não
é mais aquele - CELSO M.
Visto durante anos como símbolo de liberdade e de status, o
automóvel passa por lento desmanche de prestígio, especialmente nas grandes
cidades.
Como pode sentir-se livre e diferenciado o proprietário de um
veículo que permanece engaiolado durante horas nos gigantescos congestionamentos
de trânsito; que está sujeito a restrições exasperantes de circulação, como os
rodízios e os corredores exclusivos de ônibus impostos pelo prefeito paulistano,
Fernando Haddad; e que se sente vítima de uma indústria implacável de
multas?
Ainda não apareceu quem denuncie o automóvel como causador de
câncer, mas as relações com o que aconteceu com o cigarro começam a pipocar. O
especialista em Sustentabilidade da consultoria Ernst & Young, Ricardo
Catto, leva o assunto para o lado do marketing: "Assim como houve mudança de
mentalidade em relação ao uso do tabaco, a indústria automotiva também terá que
repensar seu modelo de negócio". Ele atribui o aumento do estresse ao volante e
essa difusa sensação de impotência à falta de planejamento e a problemas
crescentes de mobilidade (ou imobilidade) urbana. "Ser proprietário de um carro
começa a ser malvisto é, até mesmo, como nocivo à sociedade."
O problema
não se restringe às grandes cidades brasileiras. Nem se pode dizer que a
"desmotorização" seja generalizada. "No Brasil, o sonho do automóvel como meio
de transporte e de qualidade de vida continua de pé", diz Marcelo Cioffi,
consultor do setor automotivo da PwC Brasil. Contribuem para isso a estrutura
deficiente de transporte coletivo, o aumento de renda da população e as
facilidades de acesso ao crédito.
Mas esse desmanche já é um processo em
curso. Até mesmo no Brasil, grande número de jovens começa a entender que
dirigir um carro atrapalha a enturmação digital, admite Cioffi. Tanto quanto é
proibido atender ao celular quando se dirige um carro, também o é quando se
tenta tuitar ou enviar torpedos eletrônicos nessas condições.
Nos Estados
Unidos, se pudessem optar, nada menos que 30% dos jovens entre 18 e 24 anos
prefeririam ter acesso à internet a possuir um carro. Só 12% dos adultos com 54
anos ou mais fariam a mesma escolha, aponta pesquisa realizada em 2012 pela
consultoria Gartner. "Os mais jovens dão mais importância ao estilo de vida
digital e a formas alternativas de mobilidade", reforça Thilo Koslowski,
analista da Gartner.
Esse processo, no entanto, será relativamente lento
e ocorrerá em ritmos diferentes em cada região do mundo. Mesmo nos Estados
Unidos, a tendência de vendas de veículos é de crescimento, ao menos até 2015,
avalia a consultoria Alix Partners. Os países em desenvolvimento, como Brasil,
Rússia, Índia e China, deverão manter a demanda aquecida. Mas na Europa e no
Japão a perspectiva é de estagnação (veja o gráfico).
Serviços de aluguel
de carro por hora (car-sharing) e incentivos de empresas para caronas entre
funcionários, comuns na Europa, ainda são raros no Brasil. "Cada vez mais carros
são vendidos, mas não podemos construir mais ruas nas cidades", diz Ivar Bermtz,
sócio da Deloitte.
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