Na política costuma-se dizer que quando os fatos criam pernas
as pessoas perdem a cabeça. Pois é o que ocorre na polêmica das
biografias.
Muitas análises consistentes e ponderadas foram feitas em
reação ao grupo Procure Saber, defensor da manutenção do artigo do Código Civil
que dá a biografados e herdeiros o direito de impedir a circulação das
obras.
Inúmeros, no entanto, foram os desaforos dirigidos a Chico
Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan e Paula Lavigne, coordenadora do
movimento. Exclui-se daí o detonador da bomba, Roberto Carlos, porque ele age
como o ex-presidente Lula da Silva: na hora do aperto some e faz de conta que
não é com ele; nada sabe, nada viu, nada diz.
Troca de insultos não é
discussão. É cabeça perdida, é evasão de impulsos (primitivos). De onde Paula
Lavigne perdeu a razão em seu apelo à civilidade quando a perdeu no trato com a
jornalista Bárbara Gancia no programa Saia Justa. Bárbara argumentava, Paula
quis ferir.
O referido artigo não fala apenas de biografias. Vejamos pelo
texto o alcance da coisa. "Salvo de autorizadas, ou se necessárias à
administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de
escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização
da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo
da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais".
Convido o
senhor e a senhora a lerem de novo, com a calma que faltou aos nossos grandes
artistas e à empresária que atua como porta-voz, a fim de perceber que não
estamos falando exclusivamente de biografias.
Toda pessoa que se sentir
atingida de alguma forma por "escritos", "transmissão de palavra" ou exposição
de "imagem" pode requerer a interdição de divulgação. Por essa lei, os acusados
no processo do mensalão poderiam ter pedido à Justiça a proibição de quaisquer
notícias sobre o assunto dado que ao juízo deles obviamente isso lhes atingia a
"boa fama" e a "respeitabilidade".
O mesmo serve a todo personagem de
noticiário desfavorável. Também pode ser invocado por gente citada em letras de
músicas, propagandas, romances baseados em fatos reais, aplica-se a toda gama de
manifestação artística, cultural, jornalística, cotidiana.
Se a Justiça
iria acatar tal pedido é outra história, mas o instrumento está ali e a ele
dá-se o nome de censura; não há outro. Quando não aceitam ser chamados de
censores os integrantes do Procure Saber têm razão. Certamente não os motivou o
desejo de interditar a livre manifestação.
Faltou discernimento e sobrou
açodamento a seus autores. Não avaliaram corretamente a seara em que entravam
nem examinaram com o devido tirocínio o alcance da "causa" nem imprimiram
estratégia aos movimentos.
Resultado: um tiro no pé. A questão não
despertava maiores interesses. Tanto que quando o artigo foi incluído na reforma
do Código Civil, em 2002, não se viu essa celeuma. Um projeto para na prática
revogá-lo tramitava vagarosamente na Câmara e uma Ação de Inconstitucionalidade
contra a proibição se arrastava no Supremo Tribunal Federal desde
2011.
Agora o tema passou a ocupar o espaço das prioridades em ambas as
instâncias, ultrapassou a fronteira do interesse de editoras e escritores, o
engajamento das celebridades o fez ganhar dimensão e, embora não tenha sido esse
o objetivo, renovou o compromisso da maioria das vozes abalizadas com a
liberdade de expressão.
Os desvios, como assentou o STF na derrubada da
Lei de Imprensa, ficam ao encargo do Código Penal.
De métodos. Durante 16
dias o governo americano esteve sob o risco de calote por força da ação da
oposição e não se ouviu falar na distribuição de cargos, afagos ou beijos para
resolver o problema.
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