domingo, 19 de agosto de 2012

O espetáculo dos pobres



    Os pobres, que espetáculo! Tanto a solidariedade como o ódio aos miseráveis tornaram  -se pirotécnicos, são conduzidos e estão submetidos à lógica espetacular da mídia.A televisão, máquina de teatralização da miséria, síntese involuntária de uma "relação social entre pessoas mediada por imagens, tornou- se o último elo deste Brasil, o meu o seu, com o outro, o deles.Mas eles quem?Eles "quase todos, os menores, os supostos beneficiários do "Criança Esperança" (...)
   Não se pode simplesmente ser "contra uma iniciativa como o '"Criança Esperança".As evidências e o senso comum mandam dizer que se trata de um esforço solidário,de uma mobilização social orientada pela TV visando atender vidas que,mal começadas, já são desprovidas de qualquer esperança É inegável que crianças são beneficiadas pela contribuição anônima e voluntária de milhares de pessoas. Há, no entanto, algo de "natalino",de expiação de culpa, de motivação lacrimejante com a hora marcada nesse "Criança Esperança"
    A sociedade como que se desincumbe, por meio da mídia da miséria, com a qual tem uma relação virtual.É alia´s impossível discernir nesse show benevolente o que é ação filantrópica e o que é lobby de si mesmo por parte de seus protagonistas, Há uma pessoalização da caridade que só é possível em sociedades extramente injustas. Só uma elite descompromissada com a miséria pode ser representada por figuras que, porta- vozes dos miseráveis, são  também um sintoma caricatural da distância continental que a elite mantém dos deus "protegidos"
     Uma sociedade é tanto mais justa quanto mais suas "ações caridosas"são invisíveis impessoalizadas, quanto mais a distribuição da riqueza estiver institucionalizada por mecanismos públicos e anônimos, que iindependem  da boa vontade de A ou  um B ou da performance esporádica de um ídolo de massa, qualquer para ser acionada.
      O "Criança Esperança"tem um aspecto ficcionalização da solidariedade e o caráter espetacular que o anima serve, afinal, muito mais para encobrir do que para diminuir os abismos do país. A miragem produzida por esse tipo de evento revela sua outra face quando passamos das "crianças"para os "menores",dos indafesos  para os fascínoras, dos amiguinhos de ocasião para os inimigões de sempre(...)
        A frieza ea indiferença diante da miséria que se constata cotidianamente nas ruas (nos sinais de trânsito, por exemplo ) converte- se pela TV em espetáculo, de solidariedade ou de ódio, dependendo da solicitação em  cada caso. As pessoas sentem raiva se percebem que os meios de comunicação ficam penalizados de ver os menores sendo espancados.
          Não é preciso ser psicanalista para perceber que na repetição compulsiva das imagens de menores espancando e linchando uns aos outros, o que está sendo despertado pela TV no espectador é
seu desejo sádico, espectador que se identifica com os algozes que ele ao mesmo tempo detesta, porque se sente, como eles, vitíma.
      A contrapartida desse mecanismo perverso é a exploração da imagem de um pai de menor que, posto pela Globo, diante da TV começa a chorar de desespero ao identificar seu filho sendo espancado´´Odio .e solidariedade se misturam num mesmo espetáculo,
     Fazemos nossas doações esporádicas (no transito, ou pela TV),assistimos ao noticiãrio .tomamos por medo e revolta ,e vamos dormir. Na consciencia aliviada dos justos, rumina aquele desejo de lincha, mata, esfola.


                                                             Folha de São Paulo Fernando de Barros e Silva

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