segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O vendedor de palavras



   Ouvi dizer que o Brasil sofria de uma grande falta de palavras.Em um programa de TV,viu uma escritora lamentando que não se liam mais livros nesta terra, por isso as palavras estavam em falta na praça.O ml tinha até nome e batismo. como qualquer doença grande,"indigência lexical".comerciante de tino que era, não perdeu tempo em ter uma idéia fantástica. Pegou um dicionário,mesa e cartolina e saiu ao mercado cavar espaço entre os camelôs.
  Entre uma banca de relógios e outra de lingerie instalou a sua: uma mesa,o dicionário e a cartolina na qual se lia: "Histriônico -apenas R$ 0,50"!
   Demorou quase quatro horas para que o primeiro de mais de cinquenta curiosos parasse e perguntasse:
    -O que o senhor está vendendo?
    -Palavras, meu senhor.A promoção do dia é "histriônico" a cinquenta centavos,como diz na placa.
    -O senhor não pode vender palavras.Elas não são suas. Palavras são de todos.
     -O senhor sabe o significado de "histriônico'?
    -Não.
    -Então o senhor não a tem.Não vendo algo que as pessoas já têm ou de coisas de que elas não precisam
    -Mas eu posso pagar essa palavra de graça no dicionário.
    -O senhor tem dicionário em casa?
    -Não.    Maseu poderia muito bem ir à biblioteca pública e consultar um.
    -O senhor estava indo à biblioteca?
     -Não. Na verdade,eu estou a caminho do supermercado.
    -Então veio ao lugar certo.O senhor está para comprar o feijão e a alface,pode muito bem levar para casa uma palavra por apenas cinquenta centavos de real!
    -Eu não vou usar essa palavra.Vou pagar para depois esquecê-la ?
    -Se o senhor não comer a alface ela acaba apodrecendo na geladeira e terá de jogá-la fora e o feijão caruncha.
    -O que pretende com isso? Vai rico vendendo palavras?
     -O senhor conhece Nélida Pinon?
     -Não.
    -É uma escritora. Essa manhã, ela disse que o país sofre com a falta de palavras,pois os livros são muito pouco lidos por aqui.
    -E por que o senhor não vende livros?
    -Justamente por isso.As pessoas não compram palavras no atacado, portanto eu as vendo no varejo.
    -E o que as pessoas vão fazer com as palavras? Palavras são palavras,não enchem barriga.
   -A escritora também disse que cada palavra corresponda a um pensamento.Se temos poucas palavras,pensamos pouco.Se eu vender uma palavra por dia,trabalhando duzentos dias por ano, serão duzentos novos pensamentos cem por cento brasileiros,. Isso sem contar os que furtam o meu produto. São como trombadinhas que saem correndo com os relógios do meu colega aqui do lado.Olha aquela senhora  com o carrinho de feira dobrando a esquina.Com aquela carinha de dona-de- casa, ela nunca me enganou.Passou por aqui sorrateira, olhou minha placa e deu um sorrisinho maroto se mordendo de curiosidade. Mas nem parou para perguntar. Eu tenho certeza que ela tem um dicionário em casa. Assim que chegar lá, vai abri-lo e me roubar a carga.Suponho  que para cada pessoa que se
dispõe a comprar uma palavra, pelo menos cinco a roubarão. Então eu provocarei mil pensamentos novos em um ano de trabalho.
     -O senhor não acha muita pretensão?Pegar um...
     -Jactância
     -Pegar um livro velho...
     -Alfarrábio
     -O senhor me interrompe!
      -Profaço
      -está me enrolando; não é?
       -Tergiversando.
        -Quanta lenga- lenga ...
      -Ambages .
       -Ambages?
       -Pode ser também "evasivas"
      -Eu sou mesmo um banana para dar trela para gente como você!
       -Pusilânime.
       -O senhor é engraçadinho, não é?
       -Finalmente chegamos: histriônico!
       -Adeus
      -Ei! Vai embora sem pagar?
       -Tome seus cinquenta centavos.
       -São três reais e cinquenta.
        -Como é?
        -Pelas minhas contas,são oito palavras novas que eu acabei de entregar para o senhor.Só  "histriônico" estava na promoção,mas como o senhor mostrou interessado, faço todas pelo mesmo preço.
         -Mas oito palavras seriam quatro reais, certo?
        -É que quem leva ambages ganha uma evasiva, entende?
        -Tem troco pra cinco?

             Fábio Reynol
       -




Nenhum comentário:

Postar um comentário